Justino, que se tornou mártir, enunciou os limites da
obediência a Roma: "A Deus somente10 prestamos adoração, mas em
outras coisas alegremente os servimos, reconhecendo-os como reis e governadores
dos homens e orando para que, com o seu poder real, façam também julgamento
perfeito".
Com o passar dos séculos, alguns governadores demonstraram
julgamento perfeito e outros, não. Quando houve conflito, os cristãos se
colocaram contra o Estado, apelando para uma autoridade mais elevada. Thomas
Becket11 disse ao rei da Inglaterra: "Não tememos ameaças, porque
a Corte da qual viemos está acostumada a dar ordens aos imperadores e
reis".
Os missionários que levaram o evangelho a outras culturas
viram a necessidade de desafiar certas práticas, colocando-se em conflito
direto com o Estado. Na índia eles atacaram o sistema de castas, o casamento
infantil, a queima das noivas, o extermínio das viúvas. Na América do Sul
baniram o sacrifício humano. Na África se opuseram à poligamia e à escravidão.
Os cristãos compreenderam que sua fé não era uma fé simplesmente particular e
devoçional, mas tinha implicações para toda a sociedade.
Não foi por acidente que os cristãos foram pioneiros no
movimento antiescravatura, por exemplo, por causa de suas argumentações
teológicas. Filósofos como Daviq Hume consideravam os negros inferiores, e os
homens de negócio os consideravam como uma fonte barata de trabalho. Alguns
cristãos corajosos viram, acima da utilidade dos escravos, o seu valor
essencial, como seres humanos criados por Deus e lideraram sua emancipação.
Com todas as suas falhas, a igreja às vezes — esporádica e
imperfeitamente, é verdade — tem dispensado a mensagem da graça de Jesus ao
mundo. Foi o cristianismo, e apenas o cristianismo, que acabou com a
escravidão. E também foi o cristianismo que inspirou a criação dos primeiros
hospitais e hospícios. A mesma energia impeliu o primeiro movimento
trabalhista, o voto das mulheres, as campanhas dos direitos humanos e os
direitos civis.
Quanto à América, Robert Bella.h12 diz que
"não houve nenhuma questão importante na história dos Estados Unidos a
respeito da qual as organizações religiosas não falassem, pública e
clamorosamente".
Na história recente, os principais líderes do movimento dos
direitos civis (Martin Luther King Jr., Ralph Abernathy, Jesse Jackson, Andrew
Young) foram pastores, e seus comoventes sermões o provaram. Igrejas negras e
brancas proporcionaram os edifícios, as redes, a ideologia, os voluntários e a
teologia para apoiar o movimento.
Martin Luther King Jr. mais tarde alargou sua cruzada para
encampar as questões da pobreza e da oposição à guerra no Vietnã. Apenas
recentemente, quando o ativismo político passou para as causas conservadoras, o
envolvimento cristão na política provocou alarme. Como Stephen Carter sugere em
The Culture of Pisbelief [A
cultura da incredulidade], esse alarme pode simplesmente denunciar o fato de
que aqueles que estão no poder não gostam das posições dos novos ativistas.
Stephen Carter oferece bom conselho a respeito de ativismo
político: para que sejam eficientes, os cristãos "cheios de graça"
precisam ser sábios nas questões que escolhem apoiar ou combater.
Historicamente, os cristãos têm tido uma tendência de sair pela tangente. Sim,
nós lideramos o caminho para a abolição e para os direitos civis. Os
protestantes, porém, também deram uma guinada com campanhas frenéticas contra
os católicos, contra a imigração, contra os maçons. Grande parte da preocupação
da sociedade hodierna com o ativismo cristão retrocede a essas campanhas mal
formuladas.
Philip Yancey