quinta-feira, 30 de abril de 2015

BATEU O SINAL, ACABOU A AULA!


Como planejar com eficácia sua aula

Se é ensinar, haja dedicação ao ensino (Rm 12.7b).
Quase todos nós já passamos pela experiência de ver um professor da Escola Dominical ser surpreendido pelo soar do sinal anunciando o término da aula. Muitos são os professores e alunos que vivem se queixando do pouco tempo reservado para o estudo em classe. Alguns professores chegam dizer, frustrados, que a aula terminou exatamente quando começava a tratar da melhor parte do seu conteúdo.

A questão não é falta de tempo e sim de planejamento. Quando não há planejamento da aula, não importa o tempo a ela reservado, tudo sairá atabalhoadamente dando a impressão de que está faltando algo. Quando existe planejamento, mesmo que o tempo seja curto, haverá produtividade e satisfação na aula dada. O problema não é o tempo, reafirmo, mas o planejamento.
O planejamento de uma aula para a Escola Dominical deve levar em consideração vários fatores.

Vamos examiná-los.

O CONTEÚDO
Trata-se do que será ensinado. A resposta a algumas perguntas nos informa qual o conteúdo de uma lição: Qual o principal ensinamento da lição a ser estudada? Quais são as principais informações a serem transmitidas e que relação têm com o ensinamento principal? Qual a relação com a lição da semana anterior? A definição clara do conteúdo vai ajudar o professor a se manter fiel ao desenvolvimento de sua aula.

É triste quando um professor entra na classe sem ter a nítida compreensão do conteúdo da aula que vai dar. Tenho ouvido relatos de professores que sequer sabiam o assunto da lição, no momento em que iam aplicá-la. São os improvisadores que se iludem, iludem a outros e prestam um desserviço à causa do ensino das Escrituras em nossas igrejas. O professor precisa saber em profundidade o conteúdo que pretende ensinar aos seus alunos.

Toda lição tem um ensinamento principal, naturalmente que deste emanam outros que, mesmo secundários, são também importantes e necessários. A transmissão e assimilação desses ensinamentos são imprescindíveis numa aula. O professor há que identificar no estudo do texto bíblico da lição, e na própria lição, quais são os ensinamentos secundários e qual é o principal. Ao fazê-lo encontrará o conteúdo de sua aula. Encontrado o conteúdo, terá achado o caminho por onde deverá se conduzir durante a aula. Ao se conduzir por ele assegurará o êxito de sua docência.

O conteúdo é o primeiro fator a ser levado em conta no planejamento da aula. A clara compreensão do conteúdo exigirá esforço e concentração do professor. Ainda neste livro daremos algumas dicas sobre como estudar um texto da Bíblia, identificar conteúdos e extrair ensinamentos das Escrituras e contextualizá-los aos nossos dias.

EXTENSÃO E TEMPO
O professor, ciente do conteúdo, já tem uma idéia da quantidade de informações e de ensinamentos que precisará transmitir. Necessitará fazer um trabalho de seleção de conteúdo, priorizando as informações e ensinamentos que se harmonizem de forma mais plena com a mensagem principal a ser transmitida. O professor estabelecerá uma relação entre a quantidade de informações e de ensinamentos práticos com o tempo disponível para que os mesmos sejam transmitidos. Feito isto, determinará em seu planejamento prévio quanto tempo usará para cada parte da aula. Este planejamento é de suma importância para não se cair no erro de usar muito tempo com um determinado aspecto da lição em detrimento de outros.

Aconselhamos, de modo geral, a seguinte distribuição do tempo de uma lição:

Abertura (5%)

Ao começar a aula, o professor poderá conceder à classe um momento, breve, de confraternização. É a hora dos alunos se cumprimentarem, de se apresentar os visitantes e de se fazer uma ou outra comunicação de interesse da classe. É uma espécie de quebra gelo, muito importante para o início de uma aula.

Introdução (10%)

O professor vai estabelecer a relação entre o que vai ser e o que foi estudado na semana anterior.
Buscará atrair a atenção e o interesse dos alunos pelo que será ensinado. Na introdução devem ficar bem claros os alvos da aula em termos de lições a serem ensinadas e informações a serem transmitidas. É este o momento, logo no início da aula, em que professor e alunos devem se colocar diante de Deus para, em oração, pedir a bênção da sabedoria e do discernimento espiritual para o estudo da sua Palavra.

É preciso se valer de muita criatividade na introdução da aula. Fatos contemporâneos, notícias de jornais, ilustrações e experiências constituem excelente material para a introdução de uma boa aula na Escola Dominical. Costumamos comparar a introdução de uma aula com o lançamento de um foguete.

Dizem os entendidos que nos primeiros minutos após o lançamento de um foguete, os cientistas já são capazes de prever o sucesso ou fracasso de uma expedição espacial. As coisas são mais ou menos assim com a aula da Escola Dominical, se o professor não conseguir captar a atenção dos seus alunos e deixar claro para eles o que vai ser ensinado na introdução da aula, não conseguirá fazê-lo mais.

Interpretação (30%)

A preocupação do professor é com a transmissão de informações e dados que auxiliarão o aluno na interpretação do texto bíblico em estudo. Neste momento, a palavra é quase totalmente de uso do professor; eventualmente, um aluno pode oferecer contribuição, porém, o pressuposto é de que o professor está preparado para oferecer aos seus alunos as informações de que se valerão para a clara compreensão do texto bíblico.

Mais adiante ofereceremos maiores informações sobre como interpretar a Bíblia, importando agora tão-somente conscientizar o leitor para o fato de que, em sala de aula, precisará reservar pelo menos 30% do tempo disponível para o estudo e fiel interpretação da Palavra de Deus.

Vivemos numa época quando muitas pessoas têm se lançado na tarefa de ensinar a Bíblia, e isso no rádio, na televisão etc, sem dar a merecida atenção à interpretação da Palavra. Aí, abre-se espaço para verdadeiras aventuras hermenêuticas onde absurdos são apresentados como verdades bíblicas.

Os alunos da Escola Dominical precisarão ser alcançados com argumentação bíblica consistente para que as verdades da Palavra de Deus sejam enraizadas em suas vidas, o que só será possível mediante interpretação sadia e profunda das Escrituras.

Aplicação (40%)

Uma vez bem interpretado, o texto bíblico oferecerá princípios e ensinamentos que deverão ser aplicados à vida dos alunos. Caso contrário, o objetivo principal da Escola Dominical ficará por ser atingido e não haverá aprendizado real das Escrituras, logo não acontecerão mudanças na vida dos alunos.
Se um aluno, após uma aula na classe, não se sente estimulado a mudar aspectos de sua vida para que eles se harmonizem com as Escrituras, certamente a aula não logrou êxito.
O resultado de uma boa interpretação é o surgimento de princípios, lições e ensinamentos que, uma vez levados em consideração, provocarão mudanças na vida daqueles que a eles se submetem. Tais princípios precisam ser clarificados e expostos para que os alunos deles se apropriem. Uma aula sem aplicação é como se uma pessoa fosse ao médico, recebesse a receita, mas não fosse instruída sobre como usar os medicamentos. É tarefa precípua do professor orientar seus alunos na aplicação das verdades bíblicas.
Aplicando as verdades bíblicas à vida dos seus alunos, o professor estará construindo uma ponte entre o mundo da Bíblia e o mundo de hoje. Ora, é preciso levar em conta que estamos distantes, geográfica, cultural e cronologicamente do mundo da Bíblia, razão pela qual precisamos interpretar corretamente seu texto e aplicar coerentemente as verdades dele extraídas à vida dos alunos. Sem aplicação a aula torna-se somente informativa, sem relevância prática, sem vida. Ao término de uma aula na Escola Dominical, o aluno deverá ter uma noção clara sobre como colocar em prática em sua vida as verdades aprendidas.
No momento da aplicação é muito importante a participação dos alunos, dando opiniões, compartilhando experiências e oferecendo subsídios para a cor-reta aplicação das verdades aprendidas à vida dos colegas de classe. O professor deverá tomar cuidado e ser muito ágil no comando dos debates para evitar que apenas um ou dois alunos monopolizem o uso da palavra. O ideal é que o professor oriente a participação dos alunos, possibilitando inclusive que aqueles mais tímidos e reservados expressem suas idéias e opiniões.
O resultado da participação dos alunos constitui farto enriquecimento da aula, especialmente no seu aspecto prático. Com cautela, o professor não pode prescindir da participação dos alunos na construção da aula. Uma opinião ou uma experiência pode ensejar uma situação de ensino, propiciando muita edificação e aprendizado.

Conclusão (15%)

Ao terminar a aula, o professor precisa recapitular com os alunos as principais informações transmitidas e repassar os ensinamentos aprendidos. A lição principal do texto precisará ser repassada, enfatizada e ilustrada.
Não pode haver uso desproporcional do tempo nas partes anteriores da aula, sob pena de se prejudicar a conclusão. A conclusão é o momento de fechar as idéias, ratificar princípios, confirmar doutrinas e homologar atitudes e comportamentos. Uma boa conclusão não pode ser feita apressada ou superficialmente, sob o risco de se comprometer toda a aula. Uma conclusão bem feita há de motivar o aluno a prosseguir no estudo das Escrituras. Ao concluir a aula, o professor precisa dar um tempo para que os alunos orem a Deus.
E um momento de comunhão e edificação espiritual, quando os alunos conversam com Deus acerca de suas vidas nos aspectos tocados pelo estudo da sua Palavra.

Abertura
5%
Conclusão
15%
Interpretação
30%
Aplicação
40%
Introdução
10%

Diagrama da distribuição do tempo de uma aula na Escola Dominical.


terça-feira, 28 de abril de 2015

JESUS ESCOLHE SEUS DISCÍPULOS - LIÇÃO 5


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                                                        Pastor José Gonçalves

Religiões em Movimento

Em 2013 a editora Vozes lançou o livro Religiões em Movimento — o censo de 2010. O livro, que conta com a participação de vários especialistas, se propõe a fazer uma leitura analítica dos dados do último Censo do IBGE de 2010. A obra contou com as participações do teólogo e pesquisador do CNPq Faustino Teixeira e da antropóloga Renata Menezes como organizadores. Até o presente momento, considero essa obra literária a melhor interpretação dos dados do Censo de 2010.
O livro, portanto, analisa a presença do fenômeno religioso em solo brasileiro e como o mesmo tem se comportado ao longo dos anos. Dentro desse contexto os pesquisadores observaram que os números revelaram o declínio da religião tradicional; a consolidação das novas tendências no universo da fé; o decréscimo do catolicismo e dos “evangélicos de missão”, esta última expressão usada para se referir às igrejas protestantes tradicionais; o fenômeno do pentecostalismo com as suas diferentes matizes incluindo as igrejas pertencentes ao pentecostalismo clássico e ao neopentecostalismo. Dentro da vertente pentecostal clássica ou histórica observou-se o crescimento isolado das Assembleias de Deus e o declínio das igrejas neopentecostais, tais como Universal do Reino de Deus e Evangelho Quadrangular.

O “Boom” Evangélico!

Faustino Teixeira põe em destaque o que ele denomina de crescimento evidente dos evangélicos. Nas últimas décadas esse crescimento teve um salto de 6.6% em 1980 para 22,2% da população geral em 2010.
Numa população brasileira de 190.755.799 milhões de habitantes, os evangélicos somam 42.275.440. Faustino observa ainda que esse crescimento não ocorreu entre os evangélicos de missão (igrejas tradicionais), que permanecem estacionados no percentual de 4%, mas sobretudo aos pentecostais que, segundo os números, correspondem a 13.3 % da população brasileira, o que perfaz um total de 25.370.484 milhões de fiéis. Isso significa que nos últimos dez anos cerca de 4.408 novos crentes foram acrescidos por dia ao arraial evangélico; entre os pentecostais o número de adesões diárias sobe para 2.124, sendo que as Assembleias de Deus receberam diariamente em suas fileiras 1.067 novas pessoas.1
Os números referentes ao crescimento dos evangélicos são de fato impressionantes! Por outro lado, os analistas se depararam com um fenômeno até então não detectado nos dados do IBGE — a presença de uma nova categoria de evangélicos, rotulada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de “Evangélica não determinada”. E exatamente a existência dessa nova categoria que mais tem intrigado os pesquisadores. Quem são? O que os números dizem sobre ela?
Faustino Teixeira comenta:
“A dificuldade de precisão analítica na apreensão correta dos dados sobre os evangélicos deve-se, em parte, ao significativo número de fiéis evangélicos classificados na categoria de “evangélicos não determinados”. Nada menos do que 9.2 milhões de pessoas, perfazendo 21,8 % de todo o contingente evangélico, num patamar que envolve 5% de toda a população brasileira. Alguns analistas os identificam como “evangélicos genéricos” ou “evangélicos sem igreja”, indicando a afirmação de uma diversidade interna no campo evangélico, seja mediante caminhos diversificados de assunção da pertença evangélica, seja o exercício de crença fora das instituições, ou na múltipla pertença evangélica”.2

Evangélicos não Determinados

O antropólogo e professor de pós-graduação da UFJF Marcelo Ayres Camurça também fez uma análise sobre a nova configuração religiosa no Brasil a partir dos dados do Censo de 2010. No capítulo intitulado de: O Brasil religioso que emerge do Censo de 2010: consolidações, tendência e perplexidades, comenta sobre esse aparecimento do que ele considera como um fenômeno dentro do universo evangélico, o expressivo contingente de evangélicos não determinados. Como já foi sublinhado essa nova categoria, em termos percentuais, já é superior aos evangélicos tradicionais e somam um número de 9.2 milhões de pessoas.
Pois bem, Camurça analisa as implicações que esses números têm dentro do arraial evangélico. Ele diz:
“Um fenômeno novo que veio a ser detectado nesse Censo foi a declaração recorrente de um segmento da população que passa a se identificar apenas como ‘evangélica’, saindo de 1,7 milhão, que correspondia a 1% dos evangélicos no Censo de 2000, para 9.2 milhões, ou seja, 4,8% no Censo atual, fenômeno que a classificação do IBGE denomina ‘evangélico não determinado1. Do total do grupo evangélico, 22,2%, este segmento já ultrapassa os “evangélicos de missão” (na classificação do IBGE identificando as igrejas protestantes históricas) com 4,8% em relação aos 4,0% dos últimos, superado apenas pelos pentecostais com 13,3%. Uma linha de interpretação associou este tipo a uma “parcela não praticante” no grupo evangélico, uma característica de religião estabelecida e de maioria, que, no tipo de dinâmica descrita por Paul Freston, aparece “quando uma religião cresce e fica parecida com a sociedade na qual está inserida”, o que nos evoca a categoria ‘igreja’ em oposição a “seita” na tipologia de Ernst Troelstch. Na análise do sociólogo Ricardo Mariano, especialista numa sociologia do protestantismo e do pentecostalismo, o crescimento deste tipo no meio evangélico representa um indicador de ‘privatização religiosa’, ou seja, o desenvolvimento de uma crença evangélica ‘por fora das instituições’, com a consequente diminuição do ‘compromisso religioso’ e a assunção da “autonomia” e ‘individualismo’ (Folha de São Paulo, 30/06/2012). Aqui, uma contaminação no meio evangélico da tendência (pós-) moderna da desfiliação religiosa e religião do self. Embora Mariano tenha falado em diminuição do compromisso religioso, penso isto significar mais o fim da pertença exclusiva do que a tendência a uma vinculação apenas nominal a uma religião que vai se tornando majoritária. Isto porque este evangélico genérico desenvolve uma atividade intensa e uma mobilização em torno de um estoque variado de opções que o universo evangélico — agora transmutado em ‘mercado de bens simbólicos’ evangélicos de estilo moderno — oferece. Este novo evangélico geral se coloca na contramão da cultura histórica do denominacionalismo que caracterizou o protestantismo histórico.”3

Desinstitucionalização

Por outro lado, o antropólogo e professor da UFMG, Pierri Sanchis vê o fenômeno dos evangélicos genéricos, não determinados ou desigrejados como sendo uma consequência da desinstitucionalização crescente. Ele destaca que as estruturas sólidas que fundavam, enquadravam, regulavam o universo das experiências religiosas, conferindo-lhes distinção, identidade e conteúdo, não o fazem mais com o mesmo rigor, e até quando se reafirmam com renovado vigor, não o fazem com a mesma abrangência. Nesse aspecto ele observa que as instituições religiosas sofrerão cada vez mais com falta de identidade de seus fiéis para com elas. Mesmo que a identidade religiosa permaneça, todavia os seus significados e conteúdos se amoldarão à nova realidade.4
Em 2012 escrevi em meu livro Prosperidade à Luz da Bíblia sobre a existência desses crentes migratórios. Destaquei que as bênçãos de Deus, quer seja de prosperidade ou saúde, acontecem dentro da esfera da igreja local. Os Institutos de Pesquisas têm detectado um fenômeno entre os evangélicos brasileiros — a existência de uma geração de crentes migratórios. Esses novos evangélicos não firmam raiz com igreja alguma, mas vivem sempre a se lançar à caça de uma nova igreja que lhe garanta uma bênção sem muito esforço. Esse entendimento é fundamentado numa falsa compreensão do que seja servir a Deus. Nesses casos, o crente acredita que a sua participação em uma das dezenas de corrente de prosperidade ou o cumprimento de certos rituais exigidos lhe garantirão o favor de Deus sobre a sua vida. O relacionamento com Deus e o vínculo com uma comunidade local é totalmente esquecido. Para essas pessoas, muitas vezes, o problema está com as igrejas que mal frequentam e não com eles mesmos.5

Office-Boy

Em 2004, a revista Superinteressante trouxe uma ampla matéria sobre o crescimento dos evangélicos no Brasil. A revista destacava, naquela época, que um em cada seis brasileiros pertencia a alguma denominação evangélica. Todavia a matéria chamava a atenção para o perfil desses novos crentes. “Para resumir, o neopentecostalismo quer dizer que Monique Evans, Gretchen e Marcelinho Carioca podem agora se considerar ‘crentes’. Para isso, algumas adaptações aconteceram: saem os homens de terno e as mulheres de pelos nas pernas, entram pessoas que se vestem com roupas comuns e não se animam a seguir normas rígidas de conduta. A primeira inovação foi riscar do mapa o ascetismo, o sectarismo e a crença de que a melhor parte da vida está reservada para o Paraiso. ‘A preocupação dos neopentecostais é com esta vida. O que interessa é o aqui e o agora’, afirma o sociólogo Ricardo Mariano, autor de Neopentecostais - Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil”. 6

Sem Sal

Citando o escritor Paulo Romeiro, destacado cientista da religião, a revista chamava a atenção para as consequências que essa nova teologia gerava nos conversos. “A teologia da prosperidade faz o fiel encarar Deus como um office-boy. O crente dá ordens e determina o que pretende. Não há qualquer reconhecimento das fragilidades humanas e de suas necessidades em relação a um Deus superior.” A revista destacou as igrejas Renascer em Cristo, Sara Nossa Terra e Internacional de Deus como as principais representantes desse segmento. Essa “nova teologia” acabou por diluir a identidade historicamente construída pelos evangélicos no mundo. A reportagem entrevistou o pastor Joaquim Andrade, pesquisador da AGIR (Agência de Informações da Religião). De acordo com Andrade, há uma verdadeira perda de identidade no movimento evangélico mundial. O pentecostalismo flexibilizou suas exigências comportamentais, e até os protestantes históricos passaram aceitar a participação mais ativa do fiel no culto e algumas manifestações sobrenaturais.
Concluindo a matéria, quase que em um tom profético, a Superinteressante destacou:
“Um indício de que a conversão do mundo evangélico significa um arrefecimento do fervor religioso é o fato de que as neopentecostais exigem poucas mudanças nos fiéis. O resultado é que, quanto mais crescem, menos os evangélicos mudam a cara do País — bem ao contrário da revolução que ocorreu na Europa com as ideias de Lutero e Calvino.
Prova disso é a programação de determinada rede de televisão, comprada por uma igreja usando o dinheiro dos dízimos, que pouco difere das concorrentes”.7 (Grifos meus).
E lastimável, mas é a verdade!

A Graça Barata!

Não há dúvidas de que há um “boom” no crescimento evangélico! Mas esse não é um crescimento sadio, mas um crescimento com inchaços! Na verdade os números revelam mais um inchamento do que um crescimento de fato. Como observou a matéria da Superinteressante, quanto mais crescem, menos os evangélicos mudam a cara do país. O que há de errado, então, com essa explosão da população evangélica?
Escrevi em outro texto que o verdadeiro evangelho tem custo! A salvação é de graça, mas o discipulado custa caro! Dietrich Bonhoeffer, mártir alemão durante a Segunda Guerra Mundial, escreveu que: “a graça barata é a inimiga mortal de nossa Igreja. A nossa luta trava-se hoje em torno da graça preciosa. Graça barata é graça como refugo, perdão malbaratado, consolo malbaratado, sacramento malbaratado; é graça como inesgotável tesouro da Igreja, distribuído diariamente com mãos levianas, sem pensar e sem limites; a graça sem preço, sem custo (...) graça barata significa justificação do pecado, e não do pecador; é a pregação do perdão sem o arrependimento.”8
A razão, portanto, da existência de tantos desigrejados, cristãos indeterminados ou genéricos, está na ausência de um discipulado bíblico que permitisse esses crentes terem um crescimento natural e sadio. São cristãos que não estabeleceram vínculo nenhum com a igreja local e pouco ou quase nada sabem sobre o senhorio de Jesus.
Um programa de discipulado bíblico, nos moldes do recrutamento que Jesus fez com seus discípulos, precisa levar em conta alguns princípios. No Evangelho de Lucas vemos como isso se deu. Primeiramente observamos que o Mestre serviu de modelo aos seus liderados, além do fato de os moldar de acordo com seus ensinos! Dentro desse processo, observamos, em segundo lugar, que o chamado ao discipulado não acontece de qualquer forma, mas há métodos que devem ser seguidos e custos que devem ser avaliados. Em terceiro lugar, uma atenção especial deve ser dada ao treinamento desses discípulos, o que exige uma mudança de cosmovisão e também de valores. Por último o envio em uma missão especifica, que consiste em pregar os valores do Reino de Deus e curar uma sociedade que se encontra doente. Um discípulo, é portanto, alguém que é capaz de reproduzir aquilo que aprendeu.

O Discipulado de Jesus

Em sua exaustiva obra: Um Judeu Marginal - repensando o Jesus histórico, o escritor John P. Meier põe em relevo o discipulado de Jesus.
“O Jesus adulto surge pela primeira vez quando se junta a determinado grupo escatológico, caracterizado pelo batismo e arrependimento, chefiado por um estranho indivíduo chamado João Batista. Arrebatando alguns indivíduos desse grupo, Jesus logo seguiu seu próprio caminho com uma nova mensagem do iminente, e, no entanto, presente, reino de Deus, mensagem essa dirigida a todo Israel. Indo de cidade em cidade em um ministério itinerante, Jesus atraiu círculos mais próximos e mais afastados de seguidores entre seus correligionários judeus... Participou de debates religiosos com outros judeus devotos e tomou a liberdade de ensinar a seus correligionários como a Lei mosaica devia ser seguida corretamente. Em seu próprio círculo ensinava a seus discípulos formas especiais de orações, observâncias e crenças que os caracterizavam como um grupo distinto dentro do judaísmo da Palestina no século I.”9
Lucas registra:
“Ora, ia com ele uma grande multidão; e, voltando-se, disse-lhe: Se alguém vier a mim e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. E qualquer que não levar a sua cruz e não vier após mim não pode ser meu discípulo. Pois qual de vós, querendo edificar uma torre, não se assenta primeiro a fazer as contas dos gastos, para ver se tem com que a acabar? Para que não aconteça que, depois de haver posto os alicerces e não a podendo acabar, todos os que a virem comecem a escarnecer dele, dizendo: Este homem começou a edificar e não pôde acabar. Ou qual é o rei que, indo à guerra a pelejar contra outro rei, não se assenta primeiro a tomar conselho sobre se com dez mil pode sair ao encontro do que vem contra ele com vinte mil? De outra maneira, estando o outro ainda longe, manda embaixadores e pede condições de paz. Assim, pois, qualquer de vós que não renuncia a tudo quanto tem não pode ser meu discípulo. Bom é o sal, mas, se ele degenerar, com que se adubará? Nem presta para a terra, nem para o monturo; lançam-no fora. Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça” (Lc 14.25-35).

O Custo do Discipulado

No texto: A Educação no Antigo Israel e no Tempo de Jesus encontramos uma excelente exposição sobre o processo do chamado de Jesus. O texto põe em evidência alguns desses princípios. É dada atenção para o fato de que o chamado de Jesus não é algo que vem pronto e acabado, mas se constrói através de repetidas idas e vindas, de avanços e recuos. Tem início na beira do mar da Galileia (Mc 1.16), e termina com a ascensão (Mt 28.18-20). Depois da ressurreição começa de novo à beira do mesmo lago (Jo 21.2-17). É um recomeçar sempre!10

O Recrutamento

A forma como Jesus chama as pessoas é bastante simples e variada. Muitas vezes Jesus toma iniciativa no chamado. Ele vê as pessoas e as chama (Mc 1.16-20). Mas em outros casos este chamado se dá através da rede de entrelaçamento familiar quando um membro da família conduz algum parente ou amigo até Jesus (Jo 1.40-42; 45-46). João, o batista, também tem participação nesse chamado quando orienta seus discípulos a seguir o Mestre (Jo 1.35-39). Em outros casos as pessoas decidem espontaneamente seguir Jesus (Lc 9.57,58; 61,62).11

A Natureza do Chamado

Uma outra coisa posta em destaque diz respeito à natureza do chamado de Jesus. Esse chamado é de graça e não tem nenhum custo a mais. Todavia, o grau de compromisso dessa decisão é muito alto. Jesus não engana ninguém nem camufla as implicações envolvidas no seu chamado. E um chamado que deve ser aceito de forma consciente por aquele que o abraça (Mc 1.15).
Nesse aspecto o chamado é começar tudo de novo (Jo 3.3-8). O compromisso com o Reino e o chamado deve estar acima de qualquer vínculo familiar (Lc 9.60). Quem o acolheu não pode mais voltar atrás (Lc 9.62). E uma pérola preciosa e quem a achou deve se desprender de tudo para tê-la. Enfim quem o aceita deve se desprender de tudo para se dedicar a Ele (Mt 13.4446).

O Perfil dos Chamados

E interessante também o perfil dos chamados por Jesus. Figueira e Junqueira põe em evidência esses perfis. Eram humanos, limitados e imperfeitos.
Os exemplos:
Pedro — era generoso e entusiasta (Mc 14.29,31), mas, na hora do perigo e da decisão, o seu coração encolhia e ele voltava atrás (Mt 14.30; Mc 14.66-72).
Tiago e João - estavam dispostos a sofrer por Jesus (Mc 10.39), mas queriam ter mais poder que os outros (Mc 10.35-41), e eram temperamentais (Lc 9.54). Jesus deu-lhes o apelido de “filhos do trovão” (Mc 3.17).
Filipe — tinha muito jeito para colocar os outros em contato com Jesus (Jo 1.45,46), mas não era prático em resolver os problemas (Jo 6.5-7; 12.20-22). Jesus certa vez o censurou (Jo 14.8,9).
Natanael — era bairrista 0o 1.46), mas diante da evidência reconhece que Jesus é o Messias (Jo 1.49).
André - era mais prático. Foi ele que encontrou o menino com cinco pães e dois peixes (Jo 6.8,9).
Tomé - era generoso, disposto a morrer com Jesus (Jo 11.16). Mas também era cabeçudo e teimoso, capaz de sustentar a sua opinião, uma semana inteira, contra o testemunho de todos os outros (Jo 20.24,25).
Mateus — era publicano e como tal era excluído da religião judaica.
Simão - era Cananeu ou Zelote (Mc 3.18). Fazia parte de um partido dos zelotes que se opunha ao governo romano.
Judas - guardava o dinheiro do grupo (Jo 12.6; 13.29).
Joana — era esposa de Cusa, procurador de Herodes, que governava a Galileia. Junto com Susana e outras mulheres, ela seguia a Jesus e o servia com seus bens (Lc 8.2-3).
Maria Madalena — era nascida na cidade de Magdala. Jesus libertou-a de sete demônios (Lc 8.2).
Marta e Maria - eram irmãs, que junto com Lázaro, o irmão delas, viviam em Betânia, perto de Jerusalém (Jo 11.1).
Nicodemos - Era membro do Sinédrio, o Supremo Tribunal da época.12

As Dimensões do Chamado

Ainda segundo o pensamento desses autores o discipulado de Jesus possui três dimensões:
• Tomar o Mestre como Exemplo
Jesus se torna o referencial na vida do discípulo (Jo 13.13-15).
• Ter participação na cruz
Seguir Jesus estava muito longe de algo meramente teórico. Seguir Jesus era sofrer com Ele, era participar de suas provações (Lc 22.28) e perseguições (Jo 15.20; Mt 10.24,25). Era se sujeitar a viver sob o peso da cruz e até mesmo morrer com Jesus (Mc 8.34,35; Jo 11.16).
• Viver a vida de Jesus
Essa nova dimensão vem logo após a ressurreição de Jesus e a vinda do Espírito Santo. Seus discípulos estão convictos de que Jesus vive neles através do Espírito Santo: “Vivo, mas já não sou eu, é Cristo que vive em mim” (G1 2.20). Como seus seguidores, cheios do Espírito, e com a presença de Jesus no meio deles, agora continuam a obra que Jesus começou entre eles. Entregam-se totalmente à palavra de Deus e à oração.13

Marta e Maria

Esse discipulado de Jesus fica em destaque nas vidas de Marta e Maria. Há algumas lições que podemos extrair desse relato.
“E aconteceu que, indo eles de caminho, entrou numa aldeia; e certa mulher, por nome Marta, o recebeu em sua casa. E tinha esta uma irmã, chamada Maria, a qual, assentando-se também aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra. Marta, porém, andava distraída em muitos serviços e, aproximando-se, disse: Senhor, não te importas que minha irmã me deixe servir só? Dize-lhe, pois, que me ajude. E, respondendo Jesus, disse-lhe: Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária; e Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada” (Lc 10.38-42).
A forma como o Senhor discípula Marta e Maria, conforme mostra essa narrativa, é de fato muito interessante. Observamos que:
1. É possível hospedar Jesus e ainda assim não possuir nenhum relacionamento com Ele — “Recebeu (hospedou) em sua casa” (v. 38). Não basta ter Jesus como hóspede, é necessário que Ele habite na casa. Um dos problemas graves do discipulado contemporâneo é que ele não consegue firmar vínculo com Jesus. Jesus não é o dono nem tampouco o Senhor da casa, mas um mero hóspede. A palavra grega upodechomaí, traduzida como “recebeu” ou “hospedou”, possui o sentido de “receber como um convidado”. Não é um residente. Uma vida transformada necessita ter Jesus como residente nela e não apenas como um convidado.
2. É possível possuir algum parentesco com alguém piedoso e mesmo assim não ter uma vida piedosa — “E tinha esta uma irmã, chamada Maria, a qual, assentando-se também aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra” (v. 39).
Marta era irmã de Maria. Maria era uma crente piedosa que queria sempre aprender aos pés do Mestre. Por outro lado, Marta não era tão piedosa quanto a irmã. Não tenho dúvidas de que o fracasso do discipulado reside no fato de muitos cristãos possuírem apenas uma fé nominal. Frequentam uma igreja, pertencem a alguma comunidade evangélica, mas não conseguem levar uma vida devocional genuinamente cristã. Vivem sempre à margem da fé. Aproximam-se mais do mundo do que do evangelho.
3. É possível ter orelhas para escutar e mesmo assim não ouvir o que o Senhor está dizendo — “Maria... ouvia a Palavra” (v. 39). Maria ficava ao lado do Senhor para melhor ouvir os seus ensinamentos, mas Marta não tinha tempo para isso. A verdadeira adoração não ignora a obrigação nem tampouco esquece a devoção. O trabalhador não deve esquecer que também é um adorador.
4. É possível estar tão ocupado que até mesmo Deus passa a ser um problema — “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe servir só?” (v. 40).
Se não podemos afirmar que Marta quis culpar ao Senhor pela falta de cooperação de Maria, no mínimo ela achava que Maria não estava usando corretamente o seu tempo naquela ocasião. Jesus ali aparece como um problema para Marta. Marta acha que é Ele quem interrompe os afazeres domésticos de Maria, sua irmã. Quando nos envolvemos demais com as coisas dessa vida, até mesmo Deus ou a igreja passam a ser um peso para nós.
5. E possível estar à sombra do Evangelho e mesmo assim possuir valores invertidos — “respondendo Jesus, disse-lhe: Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária; e Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada” (v. 41,42).
O problema com Marta foi que ela inverteu as coisas. Pôs suas prioridades em primeiro lugar e não encontrou espaço para as coisas de Deus. Os valores ficaram invertidos. É o uso da lógica inversa àquela do reino de Deus. “Mas buscai primeiro o Reino de Deus, e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33). Quando Deus se torna o primeiro, jamais vamos ser os últimos.

Jesus, o Discipulado e o Espírito Santo

Por último, desejo pôr em destaque o papel do Espírito Santo no discipulado. O terceiro evangelho, como faz em outras partes, aqui também põe os carismas do Espírito a serviço do discipulado. “Fiz o primeiro tratado, ó Teófilo, acerca de tudo que Jesus começou, não só a fazer, mas a ensinar, até ao dia em que foi recebido em cima, depois de ter dado mandamentos, pelo Espírito Santo, aos apóstolos que escolhera; aos quais também, depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas e infalíveis provas, sendo visto por eles por espaço de quarenta dias e falando do que respeita ao Reino de Deus. E, estando com eles, determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai, que (disse ele) de mim ouvistes. Porque, na verdade, João batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias” (At 1.1-5).
Lucas destaca que Jesus deu mandamentos aos apóstolos através do Espírito Santo (At 1.2). O Espírito Santo foi um instrumento eficaz no amoldamento dos discípulos de Jesus. Sem a participação efetiva do Espírito do Senhor nenhum programa de discipulado ou recrutamento cristão será eficaz.
Consigo ainda me lembrar com precisão de uma experiência que aconteceu no primeiro trabalho congregacional que assumi como pastor de tempo integral. Quando estava prestes a assumir aquele trabalho tive uma visão de Deus. Vi uma horta com vários tomates. Havia tomates verdes, maduros e ainda outros cujo formato chamou-me a atenção. Eram tomates compridos! Suas formas se assemelhavam a de uma banana! Fiquei perplexo! O que significava aquilo?
Já empossado como obreiro de tempo integral naquela congregação, comecei a ministrar a Palavra de Deus. Comuniquei à igreja que iria pregar uma série de estudos sobre avivamento, mas tive que desmarcar os estudos porque senti como se o Espírito Santo me dissesse que ainda não era tempo para esse tipo de trabalho. Eu deveria ministrar antes sobre os frutos do Espírito e somente depois pregar sobre os dons do Espírito! Não demorou muito para eu saber o porquê disso. Logo percebi que havia ali muitos crentes vivendo conflituosamente. Eram cristãos deformados à semelhança dos tomates compridos! Naquelas condições não haveria nenhum avivamento. Segui a orientação do Senhor e vi os resultados logo aparecerem. Somos gratos a Deus pela presença do seu Espírito em nosso meio! Aleluia.

NOTAS

1 TEIXEIRA, Faustino. Religiões Em Movimento - o Censo de 2010.
2 TEIXEIRA, Faustino. Op.cit.
3 CAMURÇA, Marcelo Ayres. In: Religiões Em Movimento - o Censo de 2010. Petrópolis: Editora Vozes, 2013, p.75.
4 SANCHIS, Pierre. Religiões Em Movimento - O Censo de 2010.
5 GONÇALVES, José. A Prosperidade à Luz da Bíblia. Rio de Janeiro: CPAD, 2012.
6 GWERCMAN, Sérgio. In: Superinteressante - as 25 reportagens mais surpreendentes, polêmicas e curiosas dos 25 anos da Revisa. São Paulo: Editora Abril, 2013.
7 Superinteressante - as 25 reportagens mais surpreendentes, polêmicas e curiosas dos 25 anos da Revista. São Paulo: Editora Abril, p 112.
8 BONHOFFER, Dietrich. Discipulado. Editora Sinodal, 2004.
9 MEIER, John P. Um Judeu Marginal - repensando o Jesus histórico, volume três, livro 1 - companheiros. Rio de Janeiro: Editora Imago, 2003.
10 FIGUEIRA, Eulálio
- Educar para a caridade e a solidariedade. São Paulo Ed. Paulinas, 2012.
11 Idem.
12 FIGUEIRA, Eulálio &_ JUNQUEIRA, Sérgio. Teologia e Educa- ção. Op. Cit.
13 FIGFIGUEIRA, Eulálio e JUNQUEIRA, Sérgio. Teologia e Educação. Op.cit

terça-feira, 7 de abril de 2015

Lição 2 - O Nascimento de Jesus



Introdução:

A narrativa do nascimento de Jesus feita por Lucas é o mais detalhado entre os outros evangelhos sinóticos e também o mais bem contextualizado dentro da história. Muito do que foi escrito sobre o propósito de Lucas no capítulo primeiro encontra-se nos textos relacionados ao nascimento de Jesus:
“E aconteceu, naqueles dias, que saiu um decreto da parte de César Augusto, para que todo o mundo se alistasse. (Este primeiro alistamento foi feito sendo Cirênio governador da Síria.) E todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. E subiu da Galileia também José, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de Davi chamada Belém (porque era da casa e família de Davi), a fim de alistar-se com Maria, sua mulher, que estava grávida. E aconteceu que, estando eles ali, se cumpriram os dias em que ela havia de dar à luz. E deu à luz o seu filho primogênito, e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem” (Lc 2.1-7).

O contexto político


Aqui, como em outros lugares, Lucas cita personagens da história dentro do seu relato. E durante o reinado de César Augusto, que governou o Império romano entre os anos 27 a.C a 14 d.C., que Jesus nasceu. A Palestina, portanto, estava sob dominação romana no tempo de Jesus. A política de Roma não era a da ocupação dos territórios conquistados, mas subjugá-los através de um pesado sistema de cobrança de impostos. Os imperadores nomeavam governadores e procuradores para esses territórios conquistados a fim de manter a ordem e garantir a administração dos mesmos. Para que o império pudesse manter esses territórios sob o jugo de Roma, as famosas legiões romanas, formadas por militares altamente treinados, eram deslocadas para esses lugares. Isso explica as frequentes citações aos centuriões romanos nos dias de Jesus e da Igreja Primitiva.

O escritor José Antonio Pagola destaca que Jesus não chegou a conhecer esses imperadores. Para o grande império ele não passava de um judeu marginal.Não há registros que os imperadores César Augusto e Tibério andaram na palestina desde que a mesma foi submetida ao jugo de Roma por Pompeu no ano 63 a.C. Todavia Jesus sabia de suas existências e deve ter visto suas imagens gravadas nas moedas que circulavam. Sem dúvida Jesus sabia que os imperadores eram os donos do mundo e da Galileia dos seus dias. Quando Jesus ainda não tinha vinte e cinco anos de idade, Antípas, que era vassalo de Roma, construiu uma esplêndida cidade à beira do mar da Galileia e a chamou de Tiberíades em homenagem ao Imperador Tíberio, que acabava de suceder o imperador Otávio Augusto. A presença do Império e dos imperadores estavam por toda parte para lembrar o povo quem é que mandava no mundo.
Pagola destaca ainda que durante “mais de sessenta anos ninguém pôde opor-se ao Império de Roma. Otávio e Tibério dominavam a cena política sem grandes sobressaltos. Umas trinta legiões, de cinco mil homens cada uma, e mais outras tropas auxiliares asseguravam o controle absoluto de um território imenso que se estendia desde a Espanha e as Gálias até a Mesopotâmia; desde as fronteiras do Reno, do Danúbio e do mar Morto até o Egito e o norte da África”.2

Jesus nasceu pouco antes da morte de Herodes, o Grande, que sem dúvidas foi o mais cruel dos governantes vassalos de Roma. Já velho e temeroso de perder o poder passou a acreditar que todos conspiravam contra ele. A sua própria família foi alvo da sua psicose! Primeiramente mandou matar o cunhado, afogando-o em uma piscina na cidade de Jericó; depois acusou a sua esposa Mariamne de adultério e mandou executá-la. Sua sogra também não escapou. Cerca de três anos antes de morrer mandou matar seus próprios filhos Alexandre e Aristóbulo, que seriam os legítimos herdeiros do trono e depois fez o mesmo com seu outro filho Herodes Antípatro.3

A sua loucura chegou ao clímax quando ordenou a matança dos infantes de Belém de dois anos de idade por acreditar que entre eles estaria Jesus, o rei dos Judeus:
 “Então, Herodes, vendo que tinha sido iludido pelos magos, irritou-se muito e mandou matar todos os meninos que havia em Belém e em todos os seus contornos, de dois anos para baixo, segundo o tempo que diligentemente inquirira dos magos. Então, se cumpriu o que foi dito pelo profeta Jeremias, que diz: Em Ramá se ouviu uma voz, lamentação, choro e grande pranto; era Raquel chorando os seus filhos e não querendo ser consolada, porque já não existiam” (Mt 2.16-18).
Roma, portanto, vivia na sua glória imperial e a presença de um simples galileu nem mesmo era notada. Jesus, o Filho de Deus, foi um personagem anônimo para os donos do mundo! Para a sociedade romana, Jesus vivia à margem da história. Pouco ou "quase nada é dito sobre Jesus pelos escritores dessa época. Um milagreiro da Galileia não despertava interesse para o grande Império. Somente Flávio Josefo, escritor judeu (37 d.C a 100 d.C), e que se tornou amigo dos imperadores romanos, indo posteriormente morar em Roma, percebeu a presença do galileu de Nazaré:
“Por esse tempo viveu um homem sábio chamado Jesus e sua conduta era boa, e era sabido que era virtuoso. Muitos dentre os judeus e de outras nações se fizeram discípulos seus. Pilatos o condenou a ser crucificado e a morrer. Mas aqueles que tinham se tornado seus discípulos não abandonaram o discípula- do. Informaram que ele havia aparecido três dias depois de sua crucificação, e que estava vivo. Portanto, talvez fosse o Messias, acerca de quem os profetas haviam dito maravilhas. E a tribo de cristãos, assim chamada por ele, não desapareceu até o dia de hoje”.4

Natal sem Cristo

A presença de Jesus não foi percebida somente pelos romanos, os belemitas também não o perceberam: “E deu à luz o seu filho primogênito, e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem” (Lc 2.7).
Devido ao recenseamento, o fluxo de gente era muito grande e um casal pobre com uma mulher grávida era mais um no meio da multidão. Não havia mais vaga na rede hoteleira daquela época. Se não havia vaga para Cristo naqueles dias, hoje também não é diferente. Não há mais vaga em muitos corações para nascer o filho de Deus. Todos os anos o seu nascimento é celebrado, mas esse não é um nascimento espiritual, mas apenas comercial.

O que devemos, então, celebrar no nascimento de Jesus?

1. O nascimento do Cristo “pessoa”, mas não o Cristo mercadoria.

Não há dúvidas de que o nascimento de Jesus continua sendo celebrado hoje, mas essa é uma celebração comercial. Os telejornais exibem que nesse período as vendas aumentam em até 30%! Isso é muito bom para a economia! Lojas e Shoppings lotados, mas os corações estão esvaziados! O Jesus do comércio não passa de uma mercadoria vendável. Esse é o natal que não deve ser celebrado como diz o poeta:
Cantarei o Natal,
Mas o Natal-acontecimento,
O Natal exato,
Realidade confortadora e simples,
Não o natal de Papai Noel,
De São Nicolau,
Do trenó sobre a neve,
Do buraco da fechadura,
Da chaminé delgada e escura,
Do farnel de brinquedos...
Não!
Esse, positivamente, não é o Natal,
Esse é um natal de mentira,
Inventado por alguém sem imaginação.
Não e não!
Postiço e falso é o natal dos brinquedos:
Da árvore de bolas amarelas, verdes,
Vermelhas, azuis, pretas, douradas,
Espelhando rostos alegres,
Alongando e diminuindo feições sorridentes,
Natal dos sapatinhos sob a cama,
Dos olhos marotos do menino rico,
Dos olhos parados do menino pobre.5

2. O nascimento do Cristo dos magos, mas não o Cristo da magia.

Não há consenso entre os intérpretes sobre a real identidade dos magos do Oriente. Os antigos pais da igreja viam nessa visita dos magos ao recém-nascido Jesus, a astrologia e a magia se curvando perante a sua majestade e sabedoria. A estrela de Cristo brilhou no coração desses magos.
“E, tendo nascido Jesus em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, eis que uns magos vieram do Oriente a Jerusalém, e perguntaram: Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? Porque vimos a sua estrela no Oriente e viemos a adorá-lo. E o rei Herodes, ouvindo isso, perturbou-se, e toda a Jerusalém, com ele. E, congregados todos os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo, perguntou-lhes onde havia de nascer o Cristo. E eles lhe disseram: Em Belém da Judeia, porque assim está escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as capitais de Judá, porque de ti sairá o Guia que há de apascentar o meu povo de Israel. Então, Herodes, chamando secretamente os magos, inquiriu exatamente deles acerca do tempo em que a estrela lhes aparecera. E, enviando-os a Belém, disse: Ide, e perguntai diligentemente pelo menino, e, quando o achardes, participai-me, para que também eu vá e o adore. E, tendo eles ouvido o rei, partiram; e eis que a estrela que tinham visto no Oriente ia adiante deles, até que, chegando, se deteve sobre o lugar onde estava o menino. E, vendo eles a estrela, alegraram-se muito com grande júbilo. E, entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o adoraram; e, abrindo os seus tesouros, lhe ofertaram dádivas: ouro, incenso e mirra” (Mt 2.1-11).
Infelizmente o Cristo que está sendo festejado hoje não é mais o Cristo dos magos, mas o Cristo da magia. A magia não está mais restrita às seitas esotéricas, mas pode também ser encontrada em muitos cultos evangélicos! A água e a rosa ungida, o lenço ungido, e uma infinidade de outros apetrechos e penduricalhos religiosos oriundos do judaísmo antigo são um testemunho vivo desse misticismo evangélico.

3. O nascimento do Cristo dos pastores, mas não o Cristo dos mercenários

“Ora, havia, naquela mesma comarca, pastores que estavam no campo e guardavam durante as vigílias da noite o seu rebanho. E eis que um anjo do Senhor veio sobre eles, e a glória do Senhor os cercou de resplendor, e tiveram grande temor. E o anjo lhes disse: Não temais, porque eis aqui vos trago novas de grande alegria, que será para todo o povo, pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto vos será por sinal: achareis o menino envolto em panos e deitado numa manjedoura. E, no mesmo instante, apareceu com o anjo uma multidão dos exércitos celestiais, louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus nas alturas, paz na terra, boa vontade para com os homens! E aconteceu que, ausentando-se deles os anjos para o céu, disseram os pastores uns aos outros: Vamos, pois, até Belém e vejamos isso que aconteceu e que o Senhor nos fez saber. E foram apressadamente e acharam Maria, e José, e o menino deitado na manjedoura” (Lc 2.8-16).
Esse texto mostra a celebração que esses pastores fizeram por ocasião do nascimento de Jesus. Houve muita alegria entre aqueles camponeses. Deus em sua grandeza contemplou os pequenos!

Pastores, sim. Mercenários, não!

Devemos sim celebrar o Cristo dos pastores, mas jamais o Cristo dos mercenários. Não há dúvida de que hoje a sociedade olha com desconfiança o ministério pastoral e essa desconfiança se deve em grande parte pelo mau testemunho dos mercenários.
A Bíblia garante que há pastores e também que existem mercenários (Jo 10.1-18). Nesse sermão conhecido como “Jesus, o bom Pastor”, encontramos alguns princípios apontados pelo próprio Jesus que nos permitem separar o verdadeiro pastor do mercenário.
“Na verdade, na verdade vos digo que aquele que não entra pela porta no curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador. Aquele, porém, que entra pela porta é o pastor das ovelhas. A este o porteiro abre, e as ovelhas ouvem a sua voz, e chama pelo nome às suas ovelhas e as traz para fora. E, quando tira para fora as suas ovelhas, vai adiante delas, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz. Mas, de modo nenhum, seguirão o estranho; antes, fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos. Jesus disse-lhes esta parábola, mas eles não entenderam o que era que lhes dizia. Tornou, pois, Jesus a dizer-lhes: Em verdade vos digo que eu sou a porta das ovelhas. Todos quantos vieram antes de mim são ladrões e salteadores, mas as ovelhas não os ouviram. Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens. O ladrão não vem senão a roubar, a matar e a destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham com abundância. Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas. Mas o mercenário, que não é pastor, de quem não são as ovelhas, vê vir o lobo, e deixa as ovelhas, e foge; e o lobo as arrebata e dispersa. Ora, o mercenário foge, porque é mercenário e não tem cuidado das ovelhas. Eu sou o bom Pastor, e conheço as minhas ovelhas, e das minhas sou conhecido. Assim como o Pai me conhece a mim, também eu conheço o Pai e dou a minha vida pelas ovelhas” (Jo 10.1-15).

O bom pastor conhece as ovelhas — “Ele as chama pelo nome” (Jo 10.3). Chamar alguém ou alguma coisa pelo nome demonstra conhecimento que se tem sobre o ser ou objeto invocado. O mercenário não conhece o rebanho, pois o seu interesse não está nas ovelhas, mas somente no couro delas! Em muitos casos nem mesmo rebanho o mercenário possui. Às vezes é um andarilho que, em vez de estar em um aprisco, anda pelas igrejas peregrinando atrás de dinheiro. Infelizmente esse é um mal que está crescendo dentro até mesmo das igrejas pertencentes ao pentecostalismo clássico. Entre esses intrusos têm até mesmo empresários que ficam responsáveis pelas agendas desses e recebem comissão por isso. Costumam ligar para os que são verdadeiramente pastores dizendo que encontraram um “espaço” em suas agendas e gostariam de preenchê-lo na igreja para quem contatam. Costumam cobrar caro pelos seus sermões e demonstram ser muitos exigentes. Muitos estão totalmente sem condições morais e espirituais para falarem da santa Palavra de Deus, pois deixaram suas mulheres ou estão envolvidos em algum tipo de escândalo.

O bom pastor dá exemplo para as ovelhas — “as ovelhas ouvem a sua voz” (Jo 10.4). Se as ovelhas ouvem a sua voz é porque o conhecem. Ele é o exemplo do rebanho. O pastor de verdade tem compromisso com a ética cristã e faz de tudo para o ministério não ser censurado. Não é caloteiro nem tampouco vende as ovelhas para o político da cidade. Ele sabe que o bom nome vale mais do que as muitas riquezas e que ser estimado é melhor do que a prata e o ouro (Pv 22.1).

O bom pastor alimenta as ovelhas — "entrará, sairá e achará pastagem” (Jo 10.9). O bom pastor leva as ovelhas aos pastos verdejantes (Sl 23.1-6). O bom pastor lê a Bíblia e tudo aquilo que pode ajudar o seu entendimento a fim de levar uma alimentação de qualidade para o rebanho. Ele gasta horas a fio em oração, na meditação da Palavra e na leitura de bons livros. O mercenário não faz isso. Em vez de alimentar o rebanho, ele mantém a igreja com uma agenda abarrotada, onde há sempre alguém pregando no lugar dele. Quando prega não consegue ir além de alguns ralhos que dá nas ovelhas. Suas ovelhas encontram-se subnutridas, fracas e até mesmo mortas.

O bom pastor sacrifica-se pelas ovelhas - "o bom pastor dá a vida pelas ovelhas” (Jo 10.11). O bom pastor se sacrifica pelo rebanho: “Regozijo-me, agora, no que padeço por vós e na minha carne cumpro o resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja” (Cl 1.24). O bom pastor não está preocupado em defender seu bem-estar diante do rebanho, mas em ser um ministro de Deus para a sua igreja. Se necessário for, ele bate de frente, sofre o dano, a fim de que comportamentos e práticas erradas sejam corrigidos. Ele pode morrer, mas morre em pé.

O bom pastor protege as ovelhas — "o mercenário vê vir o lobo e abandona as ovelhas” (Jo 10.16). O mercenário está preocupado com o seu bem-estar e abandona o rebanho ao primeiro sinal de perigo. Tem uma facilidade enorme para mudar de uma igreja para outra, desde que as condições lhes sejam favoráveis. Quando as coisas não estão indo muito bem financeiramente, começa a propagar que o seu tempo naquela igreja acabou. Torna-se um visionário e sonhador, tendo sonhos e visões de anjos que o estão enviando, sempre para igrejas de condições financeiras melhores do que a sua!

 O bom pastor junta as ovelhas — “Ainda tenho outras ovelhas, não deste arisco; a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a minha voz; então, haverá um rebanho e um pastor” (Jo 10.16). O bom pastor sabe juntar o rebanho! Ele sabe que alguns rebanhos são mistos. Além das ovelhas mais velhas, há também o cordeirinho que ainda mama; há bodes e outros animais, que mesmo não sendo da mesma espécie das ovelhas, se juntaram ao rebanho. Como separar o joio do trigo ou o a ovelha do bode para não estourar o rebanho? E exatamente aqui que o pastor se distingue do mercenário. A sua vocação e preparo o habilitaram a identificar e manter unido o seu rebanho de ovelhas.

 O bom pastor é reconhecido pelas ovelhas — “As ovelhas conhecem a mim" (Jo 10.14). O bom pastor tem o reconhecimento de suas ovelhas. Elas sabem que desfrutam de uma boa dieta espiritual graças ao seu empenho. Elas estão conscientes que devem manter o seu pastor à frente delas para evitar a aproximação dos mercenários.

4. O nascimento do Cristo da manjedoura, mas não o Cristo das catedrais.

O Cristo de Belém é um Cristo simples, nasceu em uma manje- doura. Mas o Cristo celebrado hoje é o Cristo das catedrais! E o Cristo das megas igrejas. É um Cristo suntuoso! Infelizmente muitos estudos sobre evangelismo, missões e crescimento da igreja tomam como base essas megas igrejas. Os resultados são dados totalmente divorciados da realidade das igrejas nas favelas, nos sertões e entre as populações ribeirinhas. São estudos ministrados em hotéis de luxo, navios cruzeiros ou em um resort famoso. Geralmente esses pastores, que são pops stars, defendem esse tipo de cristianismo com o já surrado jargão que são cabeças e não caudas.

O contexto profético

Já foi dito neste livro que Lucas demonstra um interesse ímpar na pessoa do Espírito Santo e como Ele se relaciona com o ministério de Jesus. Lucas faz um desenho detalhado do contexto profético a fim de mostrar que o espírito profético havia sido revivificado.
Os expositores bíblicos David W. Pao e Echard J. Schnabel denominam esse aspecto da teologia carismática de Lucas de “o alvorecer da era escatológica”, e escrevem:
 “Como o surgimento de João Batista significa o retorno da profecia e dos atos salvíficos de Deus na história, essa sessão destaca o despertar da era escatológica. A intensidade da presença do Espírito Santo enfatiza essa afirmação: Isabel “ficou cheia do Espírito Santo” (1.41), e assim também Zacarias (1.67). O ministério de João Batista é caracterizado como um ministério do Espírito (1.15). Simeão, que aguarda com expectativa a consolação de Israel (cf. Is 40.1), recebe o Espírito (2.25) e a revelação do Espírito Santo de que “ele não morreria antes de ver o Cristo da parte do Senhor” (2.26). Embora a presença do Espírito possa ser encontrada nos relatos de personagens do AT (e.g., Josué [Nm 27.18], Sansão [Jz 13.25], Davi (1 Sm 16.13], essa intensidade só encontra correspondência no acontecimento do Pentecostes, relatado no segundo volume de Lucas (At 2), no qual as promessas proferidas por João (Lc 3.16) e por Jesus (Lc 11.13; 12.12; At 1.8) são cumpridas. Esses acontecimentos apontam para o cumprimento de antigas promessas que falam do papel do Espírito no tempo do fim (v. esp. Is 32.14-17 [cf. Lc 24.49; At 1.8]; J1 2.28-32 [cf. At 2.17-21]), quando Deus restaurará seu povo para sua glória (At 3.19-20)”.6

A teologia de Lucas, portanto, tanto no terceiro evangelho como nos Atos dos Apóstolos é uma teologia da Salvação de Deus. Durante seu ministério terreno, capacitado pelo Espírito Santo, conforme o testemunho do terceiro evangelho, Jesus a proclamou (Lc 4.18; At 10.38). Glorificado à direita do Pai nos céus, e através do mesmo Espírito que outorgou aos que lhe obedecem, conforme o testemunho de Atos dos Apóstolos (At 2.33; 5.32), o Senhor está dando-lhe continuidade.
O Espírito Santo sempre esteve presente na história do povo de Deus. Ele esteve presente na história do antigo Israel, esteve presente no ministério de Jesus e dos apóstolos e agora está presente na igreja hodierna!

O nascimento de Jesus no contexto judaico

Por ocasião da redação do terceiro Evangelho, a igreja já tinha dado os seus primeiros passos. Uma das primeiras polêmicas no seio da igreja surgiu por conta da disputa entre judeus e gentios. Isso motivou a instauração do primeiro concilio da igreja que ocorreu em 49 d.C. Esse concilio, liderado pelos apóstolos, ocorreu em Jerusalém e tinha como objetivo se opor aos esforços dos judaizantes, conforme registrado no livro de Atos capítulo 15.
Não há dúvida de que um dos propósitos de Lucas, como já foi assinalado, era mostrar que o cristianismo não era uma seita judaica sem nenhum nexo com a cultura judaica. Suas raízes eram de origem judaica. Ele era a continuação e plenitude da revelação de Deus conforme se encontrava registrada nas Escrituras hebraicas. Lucas, portanto, estava “interessado em delinear a relação entre o cristianismo e o judaísmo. A maneira pela qual ele tratou desse assunto é determinada pela brecha enorme que já separava essas duas religiões em épocas em que escreveu. Isso levou-o a (1) estabelecer a continuidade entre o cristianismo e a história redentora judaica, e (2) mostrar como a alienação entre os dois movimentos ocorreu”.7
Os relatos históricos da infância de Jesus têm como objetivo estabelecer esse vínculo entre a fé judaica e a fé cristã. Os relatos da circuncisão de Jesus (Lc 2.21), a sua apresentação no Templo (Lc 2.22-24) atendem ao mesmo fim. Da mesma forma os relatos de Simeão e Ana como judeus piedosos e a presença de Jesus no Templo com 12 anos de idade, sem dúvida servem para mostrar que o cristianismo não surgiu à parte do judaísmo, mas que suas raízes se originaram deste