segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Sabedoria de serpente ( As armas da misericórdia podem ser poderosas )



As questões que desafiam a sociedade são centrais. Talvez uma guerra cultural seja inevitável. Mas os cristãos devem utilizar diferentes armas nas guerras, as "armas da misericórdia", na maravilhosa frase de Dorothy Day. Jesus declarou que deveríamos ter um sinal diferencial: não a correção política ou superioridade moral, mas o amor. Paulo acrescentou que sem amor nada do que fazemos — nenhum milagre da fé, nenhum brilho teológico, nenhuma chama de sacrifício pessoal — terá valor (1 Coríntios 13).
A democracia moderna precisa desesperadamente de um novo espírito de civilidade. E os cristãos poderiam mostrar o caminho demonstrando o fruto do Espírito de Deus: amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e autocontrole.
As armas da misericórdia podem ser poderosas. Contei sobre minha visita à Casa Branca, que provocou uma chuva de cartas iradas. Dois líderes cristãos em nossa reunião sentiram a necessidade de pedir desculpas ao presidente pela falta de graça demonstrada pelos companheiros cristãos. Um disse: "Os cristãos macularam a credibilidade do evangelho com a maldade de... ataques pessoais contra o presidente e sua família". Enquanto estivemos lã, também ouvimos uma história diretamente de Hillary Clinton, alvo de muitos desses ataques.
Susan Baker, republicana e esposa do ex-secretário do Estado James Baker, convidou a sra. Clinton para ir ao seu estudo bíblico bipartidario. A primeira-dama admitiu que se sentia cética a respeito de um encontro com um grupo de mulheres que se descreviam como "conservadoras e liberais, republicanas e democratas, mas todas fiéis a Jesus". Ela foi prevenida, pronta para defender suas posições e absorver alguns golpes verbais.
Mas a reunião começou com uma das mulheres dizendo: "Sra. Clinton, todas nós nesta sala concordamos em orar pela senhora fielmente. Queremos pedir desculpas pela maneira com que tem sido tratada por algumas pessoas, inclusive alguns cristãos. Nós a tratamos de maneira errada, a difamamos, a tratamos com falta de cristianismo. A senhora nos perdoa?".
Hillary Clinton disse que tinha se preparado para qualquer coisa naquela manhã, menos para um pedido de perdão. Todas as suas suspeitas se derreteram. Mais tarde, ela dedicou todo um discurso no "café da manhã para oração nacional" para enumerar os "dons" espirituais que havia recebido do grupo. Perguntou se não poderiam iniciar um grupo semelhante para jovens da idade de sua filha Chelsea, pois Chelsea não conhecia muitos cristãos "cheios de graça".
Entristeço-me porque a correspondência dos grupos religiosos conservadores é, no tom, muito parecida com a ACLU e "Peoplefor the american Way". Os dois lados apelam para a histeria, advertem contra conspirações fanáticas e se ocupam em assassinar o caráter dos seus inimigos. Resumindo, ambos exalam o espírito da nâo-graça.
Para seu próprio crédito, Ralph Reed renunciou publicamente a tais métodos. Agora ele se arrepende de usar linguagem com ausência da "graça redentora que deveria sempre caracterizar nossas palavras e atos". "Se tivermos sucesso", Reed escreveu em Active Faith [Fé Ativa], "será porque seguimos o exemplo de Martin Luther King de sempre amar aqueles que nos odeiam, lutando 'com armas cristãs e com amor cristão'. Se falharmos, não será um fracasso por causa de dinheiro ou métodos, mas um fracasso do Coração e da alma... Cada palavra que dizemos e cada ato nosso devem refletir a graça de Deus".
Ralph Reed7 olha de maneira certa para Martin Luther King Jr., que tem muito a nos ensinar a respeito de política de confrontação. "Ataque a idéia falsa, não a pessoa que defende essa idéia", King insistia. Ele lutou para pôr em prática a ordem de Jesus de "amar os inimigos", mesmo dentro de uma cadeia e sendo ridicularizado por esses inimigos. Apenas podemos persuadir nossos adversários com base na verdade, ele disse, não recorrendo à meia-verdade, ao exagero ou à mentira. Cada voluntário na organização de King comprometia-se a seguir oito princípios, inclusive estes: meditar diariamente nos ensinamentos e na vida de Jesus, andar e falar com amor e observar as regras da cortesia com todos, amigos e inimigos.
Eu estava presente em uma cena pública de confrontação que seguiu o padrão cheio de graça que o dr. King estabeleceu. Na manhã em que entrevistei o presidente Clinton, como jã mencionei, nós dois assistimos ao "café da manhã para oração nacional" em que ouvimos madre Teresa falar. Foi um evento memorável. Os Clinton e os Gore sentaram-se nas mesas de cabeceira sobre um estrado, uma a cada lado da madre Teresa. Introduzida em uma cadeira de rodas, a frágil mulher de oitenta e três anos de idade laureada com o Prêmio Nobel da Paz precisou de ajuda para se levantar. Uma plataforma especial foi colocada para permitir que ela olhasse por cima do púlpito. Mesmo assim, curvada, com sua pequena estatura, mal podia alcançar o microfone. Ela falou claramente e devagar com um pesado sotaque em uma voz que, apesar da idade, conseguia encher o auditório.
Madre Teresa disse que a América tinha-se tornado uma nação egoísta, em perigo de perder o devido significado do amor: "dar até doer". A maior prova, ela dizia, é o aborto, cujos efeitos podem ser vistos na na escalada da violência. "Se aceitarmos que uma mãe pode matar até mesmo o seu próprio filho, como podemos dizer às outras pessoas para não se matarem umas às outras?... Qualquer país que aceita o aborto não está ensinando o seu povo a amar, mas a usar a violência para obter o que deseja."
Ela disse que somos incoerentes quando nos preocupamos com a violência, com as crianças famintas em lugares como a índia e a África, e não nos importamos com os milhões que são mortos por escolha deliberada de suas próprias mães. Ela propôs uma solução para as mulheres grávidas que não querem os filhos: "Dêem esses filhos para mim. Eu os quero. Eu cuidarei deles. Estou disposta a aceitar qualquer criança que seria abortada e darei essa criança a um casal unido pelo matrimônio que vai amá-la e ser amado por essa criança". Naquela época ela ja havia colocado três mil crianças em lares adotivos em Calcultá.
A religiosa encheu seu discurso com histórias comoventes de pessoas às quais ela havia servido, e ninguém que as ouvisse podia ir embora impassível. Depois do café, madre Teresa reuniu-se com o presidente Clinton e, mais tarde, naquele dia, eu vi que a conversa o havia comovido também. O próprio Clinton trouxe à tona diversas das histórias dela durante a nossa entrevista.
Corajosa e firmemente, mas com cortesia e amor, madre Teresa havia conseguido reduzir a controvérsia do aborto aos seus termos morais mais simples: vida ou morte, amor ou rejeição. Um cético poderia dizer a respeito de sua oferta: Madre Teresa, a senhora não compreende as complexidades envolvidas. Ha mais de um milhão de abortos só nos Estados Unidos anualmente. Com certeza a senhora não vai conseguir cuidar de todos esses bebês!
Mas, afinal, ela era a madre Teresa. Ela tinha vivido a sua vocação especial de Deus e, se Deus lhe enviasse um milhão de bebês, ela provavelmente encontraria um meio de cuidar deles. Ela compreendeu que amor sacrificial é uma das mais poderosas armas no arsenal cristão da graça.
Os profetas apresentam-se em todos os tipos e estilos; imagino que o profeta Elias, por exemplo, teria usado palavras mais fortes do que madre Teresa ao denunciar injustiças morais. Mas não posso deixar de pensar que, de todas as palavras sobre aborto que o presidente Clinton ouviu enquanto esteve no seu cargo, as palavras de madre Teresa penetraram mais profundamente.
Minha segunda conclusão talvez pareça contradizer a primeira: compromisso com um estilo de graça não significa que os cristãos vão viver em perfeita harmonia com o governo. Como Kenneth Kaunda,8 o ex-presidente da Zâmbia, escreveu, "o que uma nação precisa mais do que qualquer outra coisa não é de um governante cristão no palácio, mas de um profeta cristão ao alcance do ouvido".
Desde o início, o cristianismo — cujo fundador, afinal, o Estado executou — viveu em tensão com o governo. Jesus advertiu seus discípulos de que o mundo os odiaria como odiaram a Ele próprio, e no caso de Jesus foram os poderosos que conspiraram contra Ele. Quando a igreja se espalhou pelo Império Romano, seus discípulos adotaram o lema "Cristo é o Senhor",9 uma afronta direta às autoridades romanas que exigiam que todos os cidadãos jurassem que "César (o Estado) é o Senhor". Um objeto imovível encontrou uma força irresistível.

Os cristãos primitivos forjaram regras para governar seus deveres para com o Estado. Proibiram certas profissões: o ator que tivesse de afazer o papel de um deus pagão, o professor que fosse forçado a ensinar mitologia paga nas escolas públicas, o gladiador que tirava a vida humana por esporte, o soldado que matava, o policial e o juiz.

 PHILIP YANCEY

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