A democracia moderna precisa desesperadamente de um
novo espírito de civilidade. E os cristãos poderiam mostrar o caminho
demonstrando o fruto do Espírito de Deus: amor, alegria, paz, paciência, benignidade,
bondade, fidelidade, mansidão e autocontrole.
As
armas da misericórdia podem ser poderosas. Contei sobre minha visita à Casa
Branca, que provocou uma chuva de cartas iradas. Dois líderes cristãos em nossa
reunião sentiram a necessidade de pedir desculpas ao presidente pela falta de
graça demonstrada pelos companheiros cristãos. Um disse: "Os cristãos
macularam a credibilidade do evangelho com a maldade de... ataques pessoais
contra o presidente e sua família". Enquanto estivemos lã, também ouvimos
uma história diretamente de Hillary Clinton, alvo de muitos desses ataques.
Susan Baker, republicana e esposa do ex-secretário do Estado
James Baker, convidou a sra. Clinton para ir ao seu estudo bíblico
bipartidario. A primeira-dama admitiu que se sentia cética a respeito de um
encontro com um grupo de mulheres que se descreviam como "conservadoras e
liberais, republicanas e democratas, mas todas fiéis a Jesus". Ela foi
prevenida, pronta para defender suas posições e absorver alguns golpes verbais.
Mas a reunião começou com uma das mulheres dizendo:
"Sra. Clinton, todas nós nesta sala concordamos em orar pela senhora
fielmente. Queremos pedir desculpas pela maneira com que tem sido tratada por
algumas pessoas, inclusive alguns cristãos. Nós a tratamos de maneira errada, a
difamamos, a tratamos com falta de cristianismo. A senhora nos perdoa?".
Hillary Clinton disse que tinha se preparado para qualquer
coisa naquela manhã, menos para um pedido de perdão. Todas as suas suspeitas se
derreteram. Mais tarde, ela dedicou todo um discurso no "café da manhã
para oração nacional" para enumerar os "dons" espirituais que
havia recebido do grupo. Perguntou se não poderiam iniciar um grupo semelhante
para jovens da idade de sua filha Chelsea, pois Chelsea não conhecia muitos
cristãos "cheios de graça".
Entristeço-me
porque a correspondência dos grupos religiosos conservadores é, no tom, muito
parecida com a ACLU e "Peoplefor the american Way". Os
dois lados apelam para a histeria, advertem contra conspirações fanáticas e se
ocupam em assassinar o caráter dos seus inimigos. Resumindo, ambos exalam o
espírito da nâo-graça.
Para
seu próprio crédito, Ralph Reed renunciou publicamente a tais métodos. Agora
ele se arrepende de usar linguagem com ausência da "graça redentora que
deveria sempre caracterizar nossas palavras e atos". "Se tivermos
sucesso", Reed escreveu em Active Faith [Fé Ativa], "será
porque seguimos o exemplo de Martin Luther King de sempre amar aqueles que nos
odeiam, lutando 'com armas cristãs e com amor cristão'. Se falharmos, não será
um fracasso por causa de dinheiro ou métodos, mas um fracasso do Coração e
da alma... Cada palavra que dizemos e cada ato nosso devem refletir a
graça de Deus".
Ralph
Reed7 olha de maneira certa para Martin Luther King Jr., que tem
muito a nos ensinar a respeito de política de confrontação. "Ataque a
idéia falsa, não a pessoa que defende essa idéia", King insistia. Ele
lutou para pôr em prática a ordem de Jesus de "amar os inimigos",
mesmo dentro de uma cadeia e sendo ridicularizado por esses inimigos. Apenas
podemos persuadir nossos adversários com base na verdade, ele disse, não
recorrendo à meia-verdade, ao exagero ou à mentira. Cada voluntário na
organização de King comprometia-se a seguir oito princípios, inclusive estes:
meditar diariamente nos ensinamentos e na vida de Jesus, andar e falar com amor
e observar as regras da cortesia com todos, amigos e inimigos.
Eu
estava presente em uma cena pública de confrontação que seguiu o padrão cheio
de graça que o dr. King estabeleceu. Na manhã em que entrevistei o presidente
Clinton, como jã mencionei, nós dois assistimos ao "café da manhã para
oração nacional" em que ouvimos madre Teresa falar. Foi um evento
memorável. Os Clinton e os Gore sentaram-se nas mesas de cabeceira sobre um estrado,
uma a cada lado da madre Teresa. Introduzida em uma cadeira de rodas, a frágil
mulher de oitenta e três anos de idade laureada com o Prêmio Nobel da Paz
precisou de ajuda para se levantar. Uma plataforma especial foi colocada para
permitir que ela olhasse por cima do púlpito. Mesmo assim, curvada, com sua
pequena estatura, mal podia alcançar o microfone. Ela falou claramente e
devagar com um pesado sotaque em uma voz que, apesar da idade, conseguia encher
o auditório.
Madre
Teresa disse que a América tinha-se tornado uma nação egoísta, em perigo de
perder o devido significado do amor: "dar até doer". A maior prova,
ela dizia, é o aborto, cujos efeitos podem ser vistos na na escalada da
violência. "Se aceitarmos que uma mãe pode matar até mesmo o seu próprio
filho, como podemos dizer às outras pessoas para não se matarem umas às
outras?... Qualquer país que aceita o aborto não está ensinando o seu povo a
amar, mas a usar a violência para obter o que deseja."
Ela
disse que somos incoerentes quando nos preocupamos com a violência, com as
crianças famintas em lugares como a índia e a África, e não nos importamos com
os milhões que são mortos por escolha deliberada de suas próprias mães. Ela
propôs uma solução para as mulheres grávidas que não querem os filhos:
"Dêem esses filhos para mim. Eu os quero. Eu cuidarei deles. Estou
disposta a aceitar qualquer criança que seria abortada e darei essa criança a
um casal unido pelo matrimônio que vai amá-la e ser amado por essa
criança". Naquela época ela ja havia colocado três mil crianças em lares
adotivos em Calcultá.
A religiosa encheu seu discurso com histórias comoventes de
pessoas às quais ela havia servido, e ninguém que as ouvisse podia ir embora
impassível. Depois do café, madre Teresa reuniu-se com o presidente Clinton e,
mais tarde, naquele dia, eu vi que a conversa o havia comovido também. O
próprio Clinton trouxe à tona diversas das histórias dela durante a nossa
entrevista.
Corajosa e firmemente, mas com cortesia e amor, madre Teresa
havia conseguido reduzir a controvérsia do aborto aos seus termos morais mais
simples: vida ou morte, amor ou rejeição. Um cético poderia dizer a respeito de
sua oferta: Madre Teresa, a senhora não compreende as complexidades
envolvidas. Ha mais de um milhão de abortos só nos Estados Unidos anualmente.
Com certeza a senhora não vai conseguir cuidar de todos esses bebês!
Mas, afinal, ela era a madre Teresa. Ela tinha vivido a sua
vocação especial de Deus e, se Deus lhe enviasse um milhão de bebês, ela
provavelmente encontraria um meio de cuidar deles. Ela compreendeu que amor
sacrificial é uma das mais poderosas armas no arsenal cristão da graça.
Os profetas apresentam-se em todos os tipos e estilos;
imagino que o profeta Elias, por exemplo, teria usado palavras mais fortes do que
madre Teresa ao denunciar injustiças morais. Mas não posso deixar de pensar
que, de todas as palavras sobre aborto que o presidente Clinton ouviu enquanto
esteve no seu cargo, as palavras de madre Teresa penetraram mais profundamente.
Minha segunda conclusão talvez pareça contradizer a primeira:
compromisso com um estilo de graça não significa que os cristãos vão viver em
perfeita harmonia com o governo. Como Kenneth Kaunda,8 o
ex-presidente da Zâmbia, escreveu, "o que uma nação precisa mais do que
qualquer outra coisa não é de um governante cristão no palácio, mas de um
profeta cristão ao alcance do ouvido".
Desde o início, o cristianismo — cujo fundador, afinal, o
Estado executou — viveu em tensão com o governo. Jesus advertiu seus discípulos
de que o mundo os odiaria como odiaram a Ele próprio, e no caso de Jesus foram
os poderosos que conspiraram contra Ele. Quando a igreja se espalhou pelo
Império Romano, seus discípulos adotaram o lema "Cristo é o Senhor",9
uma afronta direta às autoridades romanas que exigiam que todos os cidadãos
jurassem que "César (o Estado) é o Senhor". Um objeto imovível
encontrou uma força irresistível.
Os cristãos primitivos forjaram regras para governar seus
deveres para com o Estado. Proibiram certas profissões: o ator que tivesse de afazer
o papel de um deus pagão, o professor que fosse forçado a ensinar mitologia
paga nas escolas públicas, o gladiador que tirava a vida humana por esporte, o
soldado que matava, o policial e o juiz.
PHILIP YANCEY
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