Outras
decisões do tribunal — estabelecendo o "direito de morrer",
redefinindo o casamento, protegendo a pornografia — fizeram os cristãos
conservadores cambalearem. Agora os cristãos estão muito mais propensos a
considerar o Estado como antagonista da igreja, não seu amigo. James Dobson5
capta o tom quando diz: "Nada menos do que uma grande guerra civil de
valores alastra-se hoje por toda a América do Norte. Dois lados imensamente
diferentes e pontos de vista incompatíveis estão presos em um amargo conflito
que permeia cada nível da sociedade".
A
guerra cultural está a caminho. Ironicamente, cada ano a igreja nos Estados
Unidos se aproxima mais e mais da situação enfrentada pela igreja do Novo
Testamento: uma minoria ameaçada vivendo em uma sociedade pluralista, paga. Os
cristãos em lugares como o Sri Lanka, Tibete, Sudão e Arábia Saudita enfrentam
a hostilidade franca do governo há anos. Mas, nos Estados Unidos, com uma
história tão compatível com a fé, não gostamos disso.
Como
podem os cristãos dispensar graça em uma sociedade que parece estar se
desviando de Deus? A Bíblia oferece muitos modelos diferentes de respostas.
Elias escondeu-se em cavernas e desencadeou raios sobre o regime pagâo de
Acabe; seu contemporâneo Obadias cooperou com o sistema, dirigindo o palácio de
Acabe enquanto abrigava os verdadeiros profetas de Deus ao lado. Ester e Daniel
foram usados por impérios pagaos; Jonas invocou o juízo sobre outro império.
Jesus submeteu-se ao julgamento de um governador romano; Paulo pediu que o seu
caso fosse conduzido ao imperador.
Para complicar ainda mais as coisas, a Bíblia nao dá conselho
direto aos cidadãos de uma democracia. Paulo e Pedro insistiam com seus
leitores que se submetessem às autoridades e honrassem o rei, mas, em uma
democracia, nós, cidadãos, somos o "rei". Dificilmente podemos
ignorar o governo quando, por direito constitucional, formamos o governo. E se
os cristãos formam uma maioria, por que não se proclamar uma "maioria
moral" e formar a cultura à nossa semelhança?
Quando uma forma de consenso cristão dominava nos Estados
Unidos, essas questões eram menos urgentes. Agora todos nós que amamos nossa fé
e também a nossa nação temos de decidir como melhor expressar esse cuidado. Eu
ofereço três conclusões preliminares que deveriam ser aplicadas, haja o que
houver, no futuro.
Primeiro, deve ter ficado claro que
creio que dispensar a graça de Deus é a principal contribuição cristã. Como
disse Gordon MacDonald, o mundo pode fazer qualquer coisa que a igreja pode,
exceto uma: o mundo não pode demonstrar graça. Em minha opinião, os cristãos
não estão fazendo um bom trabalho de dispensação da graça ao mundo, e nós
tropeçamos especialmente neste campo da fé e da política.
Jesus
não permitiu que nenhuma instituição interferisse no seu amor pelos indivíduos.
A política racial e religiosa dos judeus proibia que Ele falasse com uma mulher
samaritana, ainda mais com uma que tivesse antecedentes morais duvidosos.
Jesus, no entanto, escolheu uma mulher samaritana para ser missionária. Entre
os seus discípulos havia um cobrador de impostos, considerado um traidor em
Israel, e também um zelote, membro de um partido ultrapatriota. O Senhor Jesus
elogiou João Batista, que era contracultural. Encontrou-se com Nicodemos, um
fariseu observador, e também com um centurião romano. Jantou na casa de outro
fariseu chamado Simão e também na casa de um homem "impuro", Simão, o
leproso. Para Jesus, a pessoa era mais importante do que qualquer categoria ou
rótulo.
Sei como é fácil ser arrebatado pela política da polarização,
gritar nas passeatas para o "inimigo" do outro lado. Mas Jesus
ordenou: "Amai a vossos inimigos".6 Para Will Campbell,
eles eram os Kluxers racistas que mataram seu amigo. Para Martin Luther King
Jr., eram os delegados brancos que atiçavam seus cães sobre ele.
Quem é meu inimigo? Os favoráveis ao aborto? O
produtor de Hollywood que polui nossa cultura? O político ameaçando meus
princípios morais? O traficante que domina o centro de minha cidade? Se o meu
ativismo, ainda que bem motivado, expulsa o amor, então eu entendi mal o
evangelho de Jesus. Estou apaixonado pela lei, e não pelo evangelho da graça.
Philip Yancey
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