Participei de uma discussão animada a respeito da questão do
perdão na semana em que Jeffrey Dahmer morreu na cadeia. Dahmer, um assassino
em grande escala, havia violentado e depois matado dezessete jovens,
canibalizando-os e guardando partes dos corpos em sua geladeira. Sua prisão
provocou um abalo no departamento de polícia de Milwaukee, quando se ficou
sabendo que os policiais haviam ignorado os desesperados rogos de um
adolescente vietnamita que tentou escapar fugindo, nu e sangrando, do
apartamento de Dahmer. Esse garoto também veio a ser vítima de Dahmer, um dos
onze corpos achados em seu apartamento.
Em novembro de 1994, Dahmer foi assassinado, espancado até a
morte com um cabo de vassoura por um colega de cadeia. O noticiário da
televisão naquele dia incluiu entrevistas com os entristecidos parentes das
vítimas de Dahmer, muitos dos quais disseram que lastimavam o assassinato de
Dahmer apenas porque dera fim à sua vida cedo demais. Ele tinha de sofrer,
sendo forçado a viver mais tempo e pensar nas coisas horríveis que havia feito.
Uma rede de televisão apresentou um programa gravado algumas
semanas antes da morte de Dahmer. O entrevistador perguntou-lhe como pudera
fazer aquelas coisas pelas quais fora condenado. Dahmer disse que naquela
ocasião não cria em Deus, e por isso não se sentia culpado de nada. Ele havia
começado com pequenos crimes, experimentando pequenos atos de crueldade, e
então continuou cada vez mais. Nada o restringia.
Dahmer, depois, contou de sua recente conversão religiosa.
Ele fora batizado na cadeia e estava passando todo o seu tempo lendo material
religioso que lhe fora dado por um pastor da cidade. A câmera passou para uma
entrevista com o capelão da cadeia, que afirmava que Dahmer havia realmente se
arrependido e era um dos seus mais fiéis discípulos.
A discussão em meu pequeno grupo tendia a se dividir entre
aqueles que haviam apenas assistido aos telejornais a respeito da morte de
Dahmer e aqueles que haviam também assistido à entrevista com Dahmer. O
primeiro grupo via Dahmer como um monstro e repudiavam sem restrições quaisquer
notícias a respeito de uma conversão na cadeia. As fisionomias angustiadas dos
parentes impressionaram-nos profundamente. Uma pessoa comentou: "Crimes
como esses não podem ser perdoados nunca. Ele não podia estar sendo
sincero".
Aqueles que assistiram à entrevista com Dahmer não tinham
tanta certeza. Eles concordavam que seus crimes foram hediondos além da
imaginação. Mas ele parecia contrito, até mesmo humilde. A conversa retornou à
questão: "Alguém pode ficar de fora do perdão?". Ninguém naquela
tarde saiu sentindo-se inteiramente satisfeito com as respostas.
O escândalo
do perdão confronta qualquer pessoa que concorde com um cessar-fogo moral
apenas porque alguém diz "Sinto muito". Quando me sinto ofendido,
posso imaginar uma centena de motivos contra o perdão. Ele precisa aprender
uma lição. Não quero incentivar o comportamento irresponsável. Vou deixá-la em
banho-maria por um tempo; vai-lhe fazer bem. Ela precisa aprender que suas
atitudes têm conseqüências. Fui ofendido— não preciso dar o primeiro
passo. Como posso perdoar se ele nem mesmo está arrependido?'Eu controlo
meus argumentos até que aconteça alguma coisa que derrube a minha resistência.
Quando, finalmente, amoleço a ponto de conceder o perdão, isso parece uma
capitulação, um salto da lógica fria para um sentimento piegas.
Por que, afinal, dei um salto desses? Já mencionei um fator
que me motiva como cristão: na qualidade de filho do Pai, recebo ordens de
perdoar. Mas os cristãos não têm o monopólio do perdão. Por que alguns de nós,
cristãos e não cristãos igualmente, escolhemos esta atitude nada natural? Posso
identificar pelo menos três motivos pragmáticos, e quanto mais penso nesses
motivos para o perdão, mais reconheço neles uma lógica que parece fundamental,
e não apenas "difícil".
Primeiro,
o perdão é a única alternativa que pode deter o ciclo da culpa e da dor,
interrompendo a cadeia da ausência de graça. No Novo Testamento, a palavra
grega mais comum utilizada para o perdão significa, literalmente, soltar, jogar
para longe, libertar-se.
Philip Yancey