O homem nasceu quebrado.
Ele vive se
consertando.
A graça de Deus é
a cola.
Eudene O'Neill
Gravidade e graça
A
vida de Simone Weil1 brilhou como uma vela luminosa até sua morte,
aos trinta e três anos de idade. Intelectual francesa, preferiu trabalhar em
fazendas e fábricas para se identificar com a classe trabalhadora. Quando os
exércitos de Hitler invadiram a França, ela fugiu para se juntar aos franceses
livres em Londres, onde morreu. Sua tuberculose se complicou por causa da
desnutrição que a acometera. Ela se recusava a comer mais do que seus
conterrâneos recebiam em suas rações diárias por estarem sob ocupação nazista.
Como seu único legado, esta judia que aceitou a Cristo deixou em diários e
notas esparsas um denso registro de sua peregrinação rumo a Deus.
Weil concluiu que duas grandes forças governavam o universo:
a gravidade e a graça. A gravidade leva um corpo a atrair outros corpos, de
modo que aumenta continuamente, absorvendo mais e mais do universo em si mesmo.
Alguma coisa igual a esta mesma força opera nos seres humanos. Nós também
queremos nos expandir, adquirir, inchar significativamente. O desejo de
"sermos como deuses", afinal, levou Adão e Eva a se rebelarem.
Emocionalmente, Weil concluiu: nós, humanos, operamos por
meio de leis tão fixas quanto a lei de Newton. "Todos os movimentos naturais
da alma são controlados por leis análogas às da gravidade física. A graça é
a única exceção." Muitos de nós continuamos presos no campo gravitacional
do amor-próprio e, assim, "tapamos as fissuras pelas quais a graça poderia
passar".
Mais ou menos na época em que Weil estava escrevendo, outro
refugiado dos nazistas, Karí Barth,2 fez o comentário de que o dom
do perdão de Jesus, da graça, era para ele o mais surpreendente dos milagres de
Jesus. Os milagres quebraram as leis físicas do universo; o perdão quebrou as
regras morais. "O início do bem é percebido no meio do mal... A
simplicidade e a abrangência da graça, quem as medirá?"
Quem realmente poderia medi-la? Tenho meramente caminhado
pelo perímetro da graça, como alguém que caminha ao redor de uma catedral
grande demais para ser vista de uma só vez. Tendo iniciado com perguntas do
tipo: "O que há de tão maravilhoso na graça e por que os cristãos não
demonstram mais dela?", agora concluo com uma pergunta final: "Como é um cristão cheio de
graça?".
Talvez eu devesse fazer de novo a pergunta: "Qual é a aparência
de um cristão cheio de graça?". A vida cristã, eu creio, não se
centraliza principalmente em ética ou regras, mas, antes, envolve uma nova
maneira de ver. Eu escapo da força da "gravidade" espiritual quando
começo a ver a mim mesmo como um pecador que não pode agradar a Deus por nenhum
método de autodesenvolvimento ou auto-engrandecimento. Então posso voltar para
Deus para buscar ajuda de fora: a graça. E, para o meu próprio espanto, aprendo
que um Deus santo já me ama apesar dos meus defeitos. Consigo escapar da força
da gravidade novamente quando reconheço que meus semelhantes também são
pecadores amados por Deus. Um cristão
cheio de graça é aquele que olha para o mundo por meio de "lentes tingidas
de graça".
U
m pastor amigo meu estava estudando o texto de Mateus 7 no qual Jesus dizia,
mais ou menos impetuosamente: "Muitos me dirão naquele dia: Senhor,
Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos
demônios? e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então lhes direi
abertamente: Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade!".
A
frase "Nunca vos conheci" saltou da página. Claramente Jesus não
disse Vocês nunca reconheceram", ou "Vocês nunca conheceram o
Pai". Meu amigo se assustou ao perceber que uma de nossas principais
tarefas, talvez a principal, é fazer-nos conhecidos de Deus. Boas obras não
bastam — "não profetizamos nós em teu nome?" — qualquer
relacionamento com Deus deve ser fundamentado na plena revelação. As máscaras
têm de ser tiradas.
"Não podemos encontrá-lo se não reconhecermos que
precisamos dele", escreveu Thomas Merton.3 Para alguém que foi
criado em fortes fundamentos eclesiásticos, essa conscientização não vem
facilmente. Minha própria igreja inclinava-se para o perfeccionismo, o que nos
tentava todos a seguir o exemplo de Ananias e Safira, fingindo espiritualmente.
Aos domingos, famílias aparentemente impecáveis saíam dos seus carros com
sorrisos em seus rostos mesmo quando, depois ficávamos sabendo, haviam brigado
vergonhosamente a semana inteira.
Quando
criança, eu me comportava da melhor maneira possível nos domingos de manhã,
vestindo-me para Deus e para os cristãos que me cercavam. Nunca me ocorreu que
a igreja era um local para ser honesto. Agora, entretanto, quando procuro olhar
para o mundo por meio das lentes da graça, percebo que a imperfeição é o
pré-requisito da graça. A luz só consegue passar pelas rachaduras.
Maravilhosa
Graça Philip Yancey
Nenhum comentário:
Postar um comentário