Esta é a boca, de
cujo pó eu gostaria de ver, pela qual Cristo falou coisas grandiosas e secretas
e maiores do que em sua própria pessoa (pois assim como Ele fez, assim Ele também
falou maiores coisas pelos discípulos), pela qual o Espírito deu ao mundo esses
oráculos maravilhosos. Por qual coisa boa essa boca não operou? Por ela os
demônios foram expulsos, os pecados libertados, os tiranos amordaçados, as
bocas de filósofos caladas, o mundo levado para Deus, os selvagens persuadidos
a aprender sabedoria, a ordem da terra foi alterada. As coisas no céu também
ela dispôs do modo como quis, prendendo quem seria preso e soltando no outro
mundo "de acordo com o poder que lhe foi dado".
Não só da boca, mas
do coração também eu gostaria de ver o pó, o qual o homem não erraria em chamar
o coração do mundo, fonte de bênçãos incontáveis e um começo e elemento de
nossa vida. Pois o espírito de vida foi abastecido de tudo isso, e distribuído
pelos membros de Cristo, não como sendo enviado pelas artérias, mas por livre
escolha de boas ações. Esse coração era tão grande quanto a abranger cidades,
povos e nações inteiras. "Pois o meu coração", diz ele, 'está
aumentado". Contudo, até um coração tão grande assim, a caridade que o
aumentou muitas vezes o deixou apertado e oprimido. Pois ele diz:
"Porque, em muita tributação e angústia do coração, vos escrevi, com
muitas lágrimas" (2 Co 2.4). Eu desejaria ver esse coração mesmo depois de
sua decomposição, que ardia por todo aquele que estava perdido, que sofria
dores de parto uma segunda vez pelos filhos que tinham provado o aborto, que
via a Deus ("pois os puros de coração", diz ele, "verão a
Deus"), que se tornou um sacrifício ("pois o sacrifício para Deus é
um coração contrito"), que era mais sublime que os céus, que era mais
largo que o mundo, que era mais brilhante que os raios do sol, que era mais
quente que o fogo, que era mais forte que o diamante, que enviou rios
("pois rios", diz ele, "de água viva fluirão do seu
ventre"), nos quais estava uma fonte que brota e dá de beber, não à face
da terra, mas às almas dos homens, dos quais não só rios, más até fontes de
lágrimas vertiam dia e noite, que viviam a vida nova, não esta nossa (porque
"eu vivo", diz ele, "ainda que não eu, mas Cristo vive cm
mim", assim o coração de Paulo era o seu coração, uma tábua do Espírito
Santo e um livro da graça); que tremia pelos pecados dos outros (pois "eu
temo", diz ele, "que por algum meio eu vos tenha labutado em vão;
para que como a serpente iludiu Eva; temendo que quando eu vier não vos ache
como eu quereria"); o qual temeu por si mesmo c também estava confiante
(porque eu temo, diz ele, "para que, pregando aos outros, eu mesmo não
venha de alguma maneira a ficar reprovado", 1 Co 9.27). E, "estou
certo de que nem [...] os anjos, [...] nem as potestades [...! nos poderá
separar" (Rm 8.38,39); que foi contado digno de amar a Cristo como nenhum
outro homem o amou; que menosprezou a morte e o inferno, não obstante ficou
quebrantado pelas lágrimas de irmãos (pois ele diz: "Que fazeis vós,
chorando e magoando-me o coração?", At 21.13); que sofria com paciência,
ainda que não podia suportar estar ausente dos tessalonicenses pelo espaço de
uma hora!
Anseio ver o pó das
mãos que estavam em correntes, por cuja imposição o Espírito foi concedido,
através das quais os escritos divinos chegaram até nós, pois: "Vede com
que grandes letras vos escrevi por minha mão" (Gl 6.11), e, novamente:
"Saudação da minha própria mão, de mim, Paulo" (2 Ts 3-17); dessas
mãos à vista das quais a serpente "caiu no fogo".
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