Martin Lutner
King Jr.
E hoje? Estamos escolhendo nossas batalhas com
sabedoria? Obviamente, aborto, questões sexuais e definições de vida e morte
são problemas dignos de nossa atenção. Mas, quando leio a literatura produzida
por evangélicos que estão na política, encontro assuntos como o direito de
portar armas, abolição do Departamento de Educação, acordos comerciais da
NAFTA, o tratado do Canal do Panamá e limites de períodos para os
congressistas. Há alguns anos, ouvi o presidente da Associação Nacional dos
Evangélicos incluir em sua lista das dez preocupações principais a
"rejeição do imposto sobre lucros do capital". Com demasiada
freqüência a agenda dos grupos religiosos conservadores está de acordo com a
linha da agenda dos políticos conservadores e não fundamenta suas prioridades
em uma fonte transcendente. Como todos os outros, os evangélicos têm o direito
de apresentar suas propostas em todas essas questões, mas, no momento em que as
apresentamos como parte de alguma plataforma "cristã", abandonamos
nosso elevado fundamento moral.
Quando
o movimento dos direitos civis — a grande cruzada moral do nosso tempo —
emergiu em meados da década de sessenta, os evangélicos, na sua maioria,
permaneceram nas laterais. Muitas igrejas sulistas, como a minha, resistiram
ferozmente às mudanças. Gradualmente, oradores como Billy Graham e Oral Roberts
apoiaram o movimento. Apenas agora denominações evangélicas como a Comunidade
Pentecostal da América do Norte e os Batistas do Sul procuraram unir-se com as
igrejas negras. Somente agora os movimentos populistas como os Promise
Keepers estão fazendo da reconciliação racial uma prioridade.
Para
vergonha nossa, Ralph Reed admite que a centelha da recente onda dos
evangélicos na política não foi acesa pela preocupação com o aborto, a
injustiça na África do Sul, ou qualquer outra questão moral constringente. Não,
a administração Carter acendeu o novo ativismo quando mandou que o Departamento
do Tesouro investigasse as escolas particulares, exigindo que provassem que não
foram organizadas com o intuito de preservar a segregação. Pegando nas armas
por causa desta brecha na barreira igreja-estado, os evangélicos foram às ruas.
Com
demasiada freqüência, em suas incursões na política, os cristãos provaram ser
"sábios como as pombas" e "inofensivos como as serpentes" —
exatamente o oposto do preceito de Jesus. Se esperamos que a sociedade leve a
sério nossa contribuição, então temos de demonstrar mais sabedoria em nossas
escolhas.
Minha
terceira conclusão a respeito das relações igreja-estado é um princípio que
tomei emprestado de G. K. Chesterton: a intimidade entre a igreja e o Estado é
boa para o Estado e ruim para a igreja.
Ja adverti contra o fato de a igreja estar transformando-se
em "exterminadora moral" do mundo. Na verdade, o Estado precisa de
exterminadores morais e vai recebê-los de braços abertos sempre que a igreja
fizer esse favor. O presidente Eisenhower disse à nação em 1954: "Nosso
governo não faz sentido se não for fundamentado sobre uma fé religiosa
profundamente sentida — e não me importo qual seja ela". Eu costumava rir da
declaração de Eisenhower até que, em um fim de semana, fiquei diante de uma
situação que me mostrou a pura verdade por trás dessa declaração.
Estava participando de um fórum em New Orleans com dez
cristãos, dez judeus e dez muçulmanos; a ocasião coincidia com o auge da temporada
do Carnaval. Ficamos em uma centro católico para retiros, longe do rebuliço da
cidade. Uma noite, porém, alguns dos participantes foram passear pelo bairro
francês para ver um dos desfiles do Carnaval. Foi uma cena assustadora.
Milhares
de pessoas se acotovelavam nas ruas tão perto umas das outras que fomos
arrastados por uma onda humana, incapazes de nos libertar. Moças debruçavam-se
sobre as sacadas gritando: "Seios por conta!" Em troca de uma
bijuteria vistosa, elas levantavam a camiseta e se desnudavam. Por um presente
mais elaborado, ficavam nuas. Vi homens embriagados pegarem uma menina
adolescente na multidão gritando: "Mostre seus seios!"! Quando ela se
recusou, arrancaram a blusa da moça, levantaram-na até a altura dos ombros e a
apalpavam enquanto ela gritava, protestando. Em sua bebedeira, lascívia e até
mesmo violência, os foliões do Carnaval estavam demonstrando o que acontece
quando os desejos humanos recebem permissão de correr soltos.
Na manhã seguinte, de volta ao centro do retiro, comparamos
as histórias da noite anterior. Algumas das mulheres, feministas ardentes,
estavam muito abaladas. Sabíamos que cada uma de nossas religiões tinha algo a
contribuir para a sociedade em geral. Os muçulmanos, os cristãos e os judeus,
todos nós ajudávamos a sociedade a compreender por que tal comportamento animal
não era apenas inaceitável, mas também maligno. A religião define o mal e dá às
pessoas a força moral para resistir. Como "a consciência do Estado",
ajudamos a informar o mundo a respeito da justiça e da retidão.
Nesse sentido cívico, Eisenhower13 estava certo: a
sociedade precisa de religião, e pouco importa que tipo de religião. A Nação
Islâmica ajuda a limpar o gueto; a igreja mórmon diminui a criminalidade em
Utah, tornando-o um Estado de famílias e amigos. Os fundadores dos Estados
Unidos reconheceram que especialmente uma democracia, menos dependente da ordem
imposta e mais da virtude dos cidadãos livres, precisa de um fundamento
religioso.
Alguns anos atrás, o filósofo Glenn Tinder escreveu um artigo
amplamente comentado para The Atlantic Monthly [O mensãrio atlânticol
intitulado "Podemos ser bons sem Deus?". Sua conclusão,
meticulosamente discutida, em uma só palavra foi: não. Os seres humanos,
inevitavelmente, derivam para o hedonismo e egoísmo a não ser que alguma coisa
transcendente — o amor ãgape — os leve a se importar com alguém mais do
que com eles mesmos, era o que Tinder argumentava. Com senso de oportunidade
irônico, o artigo apareceu um mês depois da queda da Cortina de Ferro, um
evento que acabou com o idealismo daqueles que haviam tentado construir uma
sociedade justa sem Deus.
Não nos
atrevemos, entretanto, a esquecer a última parte do aforismo de Chesterton:
embora um acomodamento entre a igreja e o Estado possa ser bom para o Estado, é
ruim para a igreja. Aí reside o principal perigo para a graça: o Estado, que
governa pelas regras da não-graça, gradualmente esgota a sublime mensagem da
graça da igreja.
Insaciável
pelo poder, o Estado pode muito bem decidir que a igreja seria ainda mais útil
se ele a controlasse. Isto aconteceu mais dramaticamente na Alemanha nazista,
quando, de forma sinistra, os cristãos evangélicos foram atraídos pela promessa
de Hitler de restaurar a moral do governo e da sociedade. Muitos líderes
protestantes inicialmente agradeceram a Deus pelo surgimento dos nazistas, que
pareciam a única alternativa para o comunismo. De acordo com Karl Barth,14
a igreja "quase unanimemente recebeu bem o regime de Hitler, com confiança
verdadeira, realmente com as mais elevadas esperanças". Tarde demais
aprenderam que, mais uma vez, a igreja fora seduzida pelo poder do Estado.
A igreja opera melhor como uma força de resistência, um
contrapeso ao poder consumidor do Estado. Quanto mais íntima ela fica do
governo, mais diluída fica a sua mensagem. O próprio evangelho muda quando se
transforma em religião civil. A ética elevada de Aristóteles, lembra-nos
Alasdair Maclntyre, não dá lugar a um homem bom demonstrando amor por um homem
mau. Em outras palavras, não entende um evangelho da graça.
Resumindo, o Estado deve sempre diluir a qualidade absoluta
dos mandamentos de Jesus e transformá-los em uma forma de moralidade externa —
precisamente o oposto do evangelho da graça. Jacques Ellul chega ao ponto de
dizer que o Novo Testamento não ensina uma coisa tal como "ética
judaico-cristã". Ele ordena conversão e, depois, isto: "Sede vós,
pois, perfeitos,15 como perfeito é o vosso Pai que está nos
céus". Leia o Sermão do Monte e tente imaginar qualquer governo agindo
segundo esse conjunto de leis.
Um governo pode fechar lojas e teatros aos domingos, mas não
pode exigir a adoração. Pode prender e punir os assassinos da KKK, mas não pode
curar o seu ódio, muito menos ensinar-lhes amor. Pode aprovar leis tornando o
divórcio mais difícil, mas não pode obrigar os maridos a amar suas esposas e as
esposas a amar seus maridos. Pode dar subsídios aos pobres, mas não pode forçar
os ricos a demonstrar por eles compaixão e justiça. Pode banir o adultério, mas
não a concupiscência; o roubo, mas não a cobiça; a fraude, mas não o orgulho.
Pode encorajar a virtude, mas não a santidade.
Philip Yancey
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