Robert
Hughes,1 historiador e crítico de arte, conta a história de um
condenado à prisão perpétua em uma ilha de segurança máxima na costa da
Austrália. Um dia, sem nenhuma provocação, ele se voltou contra um companheiro
de prisão e o espancou até deixá-lo sem sentidos. Por esse motivo, as
autoridades o mandaram de volta ao continente para outro julgamento, no qual
ele deu um testemunho direto e impassível do crime. Não demonstrou nenhum sinal
de remorso e negou ter tido qualquer ressentimento da vítima. — Por que, então?
— perguntou o juiz, admirado. — Qual foi o seu motivo?
O
prisioneiro respondeu que estava enjoado da vida na ilha, um lugar de notória
brutalidade, e não via motivos para continuar vivendo. — Sim, sim, eu
compreendo tudo isso — disse o juiz. — Posso entender por que você se afogaria
no oceano. Mas por que matar?
— Bem, eu penso assim — disse o prisioneiro. — Sou católico.
Se eu cometesse suicídio iria diretamente para o inferno. Mas, se eu matasse
alguém, poderia voltar aqui para Sidney e confessar o meu crime a um padre
antes da execução. Desse jeito, Deus me perdoaria.
A lógica do prisioneiro australiano era a imagem reflexa do
Príncipe Hamlet, que não assassinaria o rei em suas orações na capela para que
este não fosse perdoado por seus atos infames, indo diretamente para o céu.
Qualquer
pessoa que escreva a respeito da graça tem de enfrentar suas brechas evidentes.
No poema de W. H. Auden:2 "For Time Being" [Para todo o
sempre], o rei Herodes astutamente capta as conseqüências lógicas da graça:
"Todo velhaco vai argumentar: 'Eu gosto de cometer crimes. Deus gosta de
perdoá-los. De fato, o mundo foi admiravelmente arranjado'".
Nesse particular, confesso que
apresentei um quadro unilateral da graça. Descrevi Deus como um pai cego de
amor, ansioso por perdoar, e a graça como uma força suficientemente poderosa
para quebrar as cadeias que nos amarram e suficientemente misericordiosa para
vencer diferenças profundas entre nós.
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