sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Qual foi o seu motivo?




Robert Hughes,1 historiador e crítico de arte, conta a história de um condenado à prisão perpétua em uma ilha de segurança máxima na costa da Austrália. Um dia, sem nenhuma provocação, ele se voltou contra um companheiro de prisão e o espancou até deixá-lo sem sentidos. Por esse motivo, as autoridades o mandaram de volta ao continente para outro julgamento, no qual ele deu um testemunho direto e impassível do crime. Não demonstrou nenhum sinal de remorso e negou ter tido qualquer ressentimento da vítima. — Por que, então? — perguntou o juiz, admirado. — Qual foi o seu motivo?
O prisioneiro respondeu que estava enjoado da vida na ilha, um lugar de notória brutalidade, e não via motivos para continuar vivendo. — Sim, sim, eu compreendo tudo isso — disse o juiz. — Posso entender por que você se afogaria no oceano. Mas por que matar?
— Bem, eu penso assim — disse o prisioneiro. — Sou católico. Se eu cometesse suicídio iria diretamente para o inferno. Mas, se eu matasse alguém, poderia voltar aqui para Sidney e confessar o meu crime a um padre antes da execução. Desse jeito, Deus me perdoaria.
A lógica do prisioneiro australiano era a imagem reflexa do Príncipe Hamlet, que não assassinaria o rei em suas orações na capela para que este não fosse perdoado por seus atos infames, indo diretamente para o céu.
Qualquer pessoa que escreva a respeito da graça tem de enfrentar suas brechas evidentes. No poema de W. H. Auden:2 "For Time Being" [Para todo o sempre], o rei Herodes astutamente capta as conseqüências lógicas da graça: "Todo velhaco vai argumentar: 'Eu gosto de cometer crimes. Deus gosta de perdoá-los. De fato, o mundo foi admiravelmente arranjado'".
Nesse particular, confesso que apresentei um quadro unilateral da graça. Descrevi Deus como um pai cego de amor, ansioso por perdoar, e a graça como uma força suficientemente poderosa para quebrar as cadeias que nos amarram e suficientemente misericordiosa para vencer diferenças profundas entre nós. 

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