quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

O pensador como ensinador

Eclesiastes 12:9-14  

O pensador como ensinador
12:9  O Pregador, além de sábio, ainda ensinou ao povo o conhecimento; e, atentando e esquadrinhando, compôs muitos provérbios.
10  Procurou o Pregador achar palavras agradáveis e escrever com retidão palavras de  verdade.

Afastamo-nos um pouco para ver a pessoa e o processo que se es­condem por trás deste notável livro. As observações iniciais apontam para a parceria entre as idéias e a expressão, a busca e os ensinamen­tos, que o próprio livro ilustrou. Vimos como os capítulos de conse­lhos práticos equilibraram e suplementaram as profundas reflexões por eles interrompidas. O que surge no restante destes dois versículos é a grande importância que o autor dá ao seu papel de ensinador. Ele não é o orgulhoso pensador que não tem tempo para as mentes menos pri­vilegiadas; antes, aceita o ideal desafiador da perfeita lucidez. Como destaca o versículo 10, é preciso ter a habilidade e a integridade, o en­canto e a coragem de um artista e de um mestre para fazer justiça à tarefa. Na força deste único versículo, este homem poderia ser o santo patrono dos escritores.

Ensinamentos penetrantes
12:11  As palavras dos sábios são como aguilhões, e como pregos bem fixados as sentenças coligidas, dadas pelo único Pastor.
12  Demais, filho meu, atenta: não há limite para fazer livros, e o muito estudar é enfado da carne.
Eis aí mais duas qualidades que caracterizam os oportunos ensina­mentos do sábio: eles despertam a vontade e se fixam na memória. Com isto, Coelet, mestre como é, paga um tributo involuntário ao maior de todos os mestres da sabedoria: nosso Senhor, cujas palavras apre­sentam estas duas marcas de maneira suprema, da mesma forma como ultrapassam o critério do versículo 10, de "palavras agradáveis" e "pa­lavras de verdade". Elas casam a justeza com a intrepidez, parceiras que não devem ser separadas.
O que importa acima de tudo é que são palavras de autoridade. Com toda a sua variedade e evidente humanidade, elas são dadas aos sá­bios. Constituem uma unidade, e provêm de Deus. Este segundo ter­mo aplicado a Deus, o único Pastor, é um complemento apropriado ao majestoso título do versículo 1, "teu Criador". O Deus "distan­te", cuja ordem alcança a todos, também é o Deus "próximo", que conhece e pode ser conhecido, que nos fala com voz humana mas decisiva.
O curioso é que, como percebemos no versículo 12, isto não nos agrada. Nós nos tornamos viciados na pesquisa propriamente dita, apai­xonados pelas nossas perguntas mais difíceis. Uma resposta estragaria tudo. C. S. Lewis, em uma de suas confrontações no livro The Great Divorce (O Grande Divórcio), capta o tom e a qualidade desta atitude, à altura em que ela finalmente se apossa do homem. Nessa cena, na fronteira do céu, um "pesquisador" vitalício é convidado a entrar. Dizem-lhe:
"Não posso lhe prometer... qualquer campo de ação para os seus talentos: apenas o perdão por havê-los pervertido. Nenhuma atmosfe­ra de pesquisa, pois vou introduzi-lo na terra onde não há perguntas, apenas respostas, e você verá a face de Deus."
"Ah! mas nós devemos interpretar essas belas palavras à nossa pró­pria maneira! Para mim não existe resposta final. O vento livre da pes­quisa deve continuar sempre soprando através de nossa mente, não deve?"...
... "Ouça!", disse o Espírito Branco. "Você já foi criança. Você aprendeu para que servia a pesquisa. Houve um tempo em que você fazia perguntas porque queria respostas, e ficava satisfeito quando as encontrava. Torne-se essa criança novamente, agora mesmo."
"Ah! mas quando eu me tornei um homem eu deixei de lado as coisas infantis!
Nenhum argumento, nenhum apelo valerá contra esta infinita elas­ticidade. O encontro, já infrutífero, acaba com o gentil sofista lembrando-se de que tem um encontro; desculpa-se, então, e corre pa­ra o seu grupo de debates no inferno.

O ponto de chegada
12:13  De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem.
14  Porque Deus há de trazer a juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más.
Até agora, nenhum dos nossos caminhos nos levou a parte algu­ma. Eles acabaram muito antes de alcançarmos qualquer coisa eterna e absoluta. Mas o caminho a que nos trouxe este capítulo aponta para Deus, o Eterno, para quem "a eternidade no coração do homem" (cf. 3:11) foi criada para ali habitar e gravitar:
Se esta maneira de colocar as coisas destaca mais a necessidade do homem do que a exigência de Deus, estes dois versículos logo vão res­tabelecer o equilíbrio. Mas eles prazerosamente concedem ao elemen­to humano o seu devido direito, através das palavras porque isto é o todo do homem. É verdade que, entre outras cousas, é o seu dever; mas o heb. não diz isso; deixa esse todo indefinido. "Isto", como po­deríamos traduzir, "é tudo o que o homem tem"; mas é um "tudo" que fica em total contraste com a "vaidade" com que nos tem con­frontado o livro. Aqui finalmente encontraremos realidade e nos en­contraremos a nós mesmos.
Não, entretanto (e com isto o equilíbrio é restaurado), como per­feccionistas que buscam para si o que é melhor, mas como servos apresentando-se ao seu legítimo senhor. Teme a Deus é uma convoca­ção que nos coloca no nosso devido lugar, e a todos os demais temo­res, esperanças e perplexidades nos seus devidos lugares.
O derradeiro versículo destaca o ponto que acabamos de apresen­tar, com um golpe final que é bastante forte para machucar, mas bas­tante inteligente para nos fazer sair da apatia. Acaba com a compla­cência, avisando-nos de que nada passa despercebido e sem avaliação, nem mesmo as coisas que nós escondemos de nós mesmos. Mas ao mes­mo tempo transforma a vida. Se Deus se importa tanto assim, então nada pode ser sem sentido.
Esta é a verdade que já nos foi apresentada em 11:9; e, além do mais, ela dá colorido a todos os ensinamentos de Cristo, para quem nenhum detalhe aqui na terra poderia ser pequeno demais para ser im­portante no céu: uma palavra fútil, a morte de um pássaro, um copo de água fria, o arrependimento de um pecador. Foi isto também que incitou Paulo a ser insistente "a tempo e fora de tempo" e a concluir a sua carreira com alegria. Para qualquer outro senhor, ou para nenhum.
"As nações labutam - apenas para o fogo, e os povos se fatigam - tudo para nada."   
É uma coisa totalmente diferente ficar sob as ordens de um senhor que se importa profundamente tanto com o trabalhador como com o trabalho e cujo julgamento é infalível.
Não compete ao nosso autor pesquisar mais sobre este julgamento, como e quando será realizado. Há um lugar para isso. Mas há um lu­gar também, e é aqui, para o silêncio que chama a atenção para o sim­ples fato da aprovação ou da desaprovação de Deus. Quando todos os detalhes tiverem sido concluídos, este continuará sendo o ponto cru­cial. Em torno disto e nada mais gira a questão: se "tudo é vosso" (como Paulo o colocou, especificando ainda: "o mundo ... a vida ... a morte ... as cousas presentes ... as futuras")  ou se, irremediavel­mente, "tudo é vaidade".

Nenhum comentário:

Postar um comentário